Procura por ajuda aumenta à boleia do uso de plataformas digitais, sobretudo desde a pandemia. ICAD coordena apoio.
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O jogo a dinheiro continua a crescer e, apesar da maioria dos jogadores não apresentar sinais de dependência, surgem mais pedidos de ajuda à boleia do maior uso de plataformas ‘online’, sobretudo desde a pandemia. Embora a resposta pública tenha sido reforçada com meios técnicos, continua a não ser capaz “de responder em plenitude”, marcado por longas listas de espera e uma estigmatização dos serviços.
“Todas as unidades [de intervenção local em comportamentos aditivos e dependências] têm capacidade técnica para responder, mas nem todas têm capacidade em termos de tempo de resposta”, admite, ao JN, Manuel Cardoso, vice-presidente do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD). As filas de espera são “significativas, seja qual for o tipo de patologia”. A resposta, integrada no SNS, é ainda recente: só em 2023, após o jogo ‘online’ – legalizado, em 2015 -, e a pandemia terem dado “uma dimensão brutal” aos casos problemáticos, é que as competências de intervenção na área do jogo passaram para o ICAD, explica.
São 34 as unidades abertas pelo país que prestam tratamento a quem procura ajuda ou acaba por ser encaminhado após diagnóstico. Apesar das dificuldades, um dos avanços apontados pelo responsável é a possibilidade de os utentes recorrerem à inscrição pública através do ‘site’ do ICAD, o que lhes permite iniciar um processo de avaliação e encaminhamento sem sair de casa.
Cada vez mais jovens
Há quem procure por soluções fora do circuito público. “Diria que 70% ou mais dos casos que tenho acompanhado nos últimos quatro a cinco anos envolvem o jogo ‘online’. Sejam postas desportivas, casino ou ambos. O anonimato e o comodismo, de não se terem de deslocar, tornaram o comportamento muito mais impulsivo”, ilustra, ao JN, André Fialho, psicólogo especializado no tratamento da adição ao jogo, com consultório no Porto. O profissional observa que os pacientes são maioritariamente homens, cada vez mais jovens, começam a ter comportamentos problemáticos mais cedo, entre os 15 e os 22 anos.
“Estamos a falar de uma perturbação psiquiátrica real, com alterações cerebrais e comportamentais graves, que levam a uma perceção distorcida dos riscos e a um controlo reduzido sobre o impulso de jogar”, sublinha Pedro Morgado.
O psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Universidade do Minho explica que o tratamento pode passar por psicoterapia com consultas, intervenções farmacológicas “que ajudam a reduzir a ansiedade, irritabilidade e os impulsos relacionados com o ato de jogar” ou intervenções em grupo, “durante meses a mais de um ano”.
Mais de metade joga
55,6% da população portuguesa entre os 15 e os 74 anos admite jogar a dinheiro, sendo a maioria homens, segundo o último inquérito do ICAD referente a 2022. O valor aumentou mais 7,6% face a 2017.
Quase 300 mil excluídos
Foram 292,4 mil os jogadores que pediram para serem excluídos das apostas ‘online’ até ao último trimestre de 2024. Os pedidos aumentaram 36%, segundo os dados dos dados do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos.
Perguntas & Respostas
O que é ser viciado no jogo?
A Organização Mundial de Saúde reconhece o jogo patológico como doença mental, que se prende com um comportamento repetitivo e a incapacidade de a pessoa controlar o hábito de jogar, apesar de todos os problemas a nível pessoal, financeiro, familiar e profissional que possa causar. É uma adição comportamental.
Que sinais podem indicar que o jogo se está a tornar um vício?
Sentir a necessidade de jogar com mais frequência ou irritabilidade e/ou ansiedade quando não consegue jogar podem ser alguns dos sinais. Especialistas alertam também para situações em que os jogadores deixam de fazer outras atividades que normalmente faziam e o uso do jogo como uma forma de investimento ou de recuperar dinheiro já perdido em apostas.
Quais os riscos deste vício?
Além de prejuízos financeiros, quem sofre do vício do jogo pode perder relacionamentos com amigos ou familiares, ao negligenciar eventos sociais. Há também um maior o risco de desenvolver adições com uso de substâncias. E acresce-se ainda o risco maior de depressão, ansiedade e suicídio.