Há 40 anos, uma coluna militar deixou o RI 5, nas Caldas da Rainha. Ia ajudar a derrubar o regime. Percebendo que estavam sós, os militares deram meia volta às portas de Lisboa. Viveriam presos o 25 de Abril.
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O que foi a Revolta das Caldas? "Em termos de operação militar, ainda bem que foi uma derrota", diz o major-general Adelino Matos Coelho, tenente de Infantaria à data dos acontecimentos em que participou, ainda empenhado em perceber a tentativa de golpe.
É agora claro que da saída das tropas, naquela madrugada de sábado, não resultaria o fim do Estado Novo, ocorrido a 25 de abril. Improviso, falta de comunicação, má avaliação, tudo contribuiu para um grande equívoco. Porém, o comandante do regimento tinha sido detido e não havia como voltar atrás.
Matos Coelho nota que havia "vontade coletiva de participar" numa ação nacional, sob a égide do Movimento dos Capitães, que levaria à queda do regime. "Foi com este espírito, apesar do insucesso do 16 de março, que se materializou um evento que acabou por ser decisivo nos desígnios do Movimento dos Capitães, posteriormente assumidos pelo Movimento das Forças Armadas, que contribuíram para a conquista da democracia e para a recuperação do prestígio do país e das Forças Armadas", diz.
Porém, as motivações dos militares não eram políticas. Estavam em causa questões relacionadas com as carreiras, e as movimentações dos jovens oficiais eram conhecidas da generalidade dos comandantes.
Havia dois grupos no seio dos oficiais do quadro permanente: oriundos de cadetes e oriundos de milicianos. E um terceiro grupo, menos claro mas determinante no fio dos acontecimentos: os spinolistas (apaniguados do General Spínola, que, esse sim, "tinha uma agenda política").
A dinâmica desses grupos foi determinante. Embora com reivindicações distintas, os oriundos de cadetes e de milicianos, a 5 de março, acordaram funcionar em unidade, sob coordenação do Movimento dos Capitães. Mas nas Caldas, onde os oriundos de cadetes eram maioritários, "havia a perceção de que os oriundos de milicianos tentariam algo fora do movimento". E estes, mesmo que não spinolistas de raiz, tinham do autor de "Portugal e o Futuro" a garantia de que lhes resolveria os problemas.
Ora, o que aconteceu a 16 de março terá resultado de coordenação falhada. Um plano gizado por spinolistas (Manuel Monge, Casanova Ferreira, António Ramos, Otelo Saraiva de Carvalho...) assentava na ideia de que a ação de uns estimularia a de outros. Naquela noite, chegou às Caldas a indicação de que o golpe estava em marcha e de que os militares do CIOE (Lamego) estavam "sobre rodas", o que não era verdade. As Caldas avançaram, mas as outras unidades não o fizeram, e por pouco não foram detidos militares como Otelo ou Jaime Neves.
O que houve terá sido uma iniciativa de spinolistas, transmitida a oriundos de milicianos, mas que falhou na passagem àquela que era, em tese, a entidade coordenadora, o Movimento dos Capitães. É mais do que provável, como de um modo genérico dá a entender Irene Pimentel ("História da PIDE"), que a DGS tivesse spinolistas como Monge (que nessa noite falou com Lamego) sob escuta. E na coluna saída das Caldas, a generalidade dos oficiais tinha noção de que estavam sozinhos.
Brigada do reumático estimulou
Regressados ao quartel, os revoltosos das Caldas acordaram em dizer que rumavam a Lisboa para manifestar solidariedade com os generais Costa Gomes e Spínola, o que tinha lógica. Os dois militares, ambos presidentes da República no pós--25 de Abril, haviam sido demitidos, dias antes, por não terem comparecido ao episódio que ficou conhecido como da "Brigada do Reumático", em que se encenou o apoio das chefias militares a Marcello Caetano. No CIOE (Lamego), os oficiais tinham-se desvinculado do então comandante da Região Militar do Norte, porque o tinham visto na dita "Brigada do Reumático".