Um estudo apresentado, esta segunda-feira, pelo Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) sugere que ter rins saudáveis pode ser o segredo para sobreviver à malária. Publicada na revista "Cell Reports", a investigação "tem implicações importantes para o prognóstico dos doentes infetados e para o desenvolvimento de terapêuticas dirigidas", o que poderá ajudar a "colocar um travão no número de mortes por malária", revelou a IGC, em comunicado.
Corpo do artigo
"[Os rins] têm apenas 10 cm de comprimento, mas podem mesmo ser o fator decisivo entre a vida e a morte na malária", referem os investigadores. Ao tomar as rédeas do armazenamento e redistribuição do ferro, os rins impedem que o corpo sucumba ao parasita invasor, acrescentam.
"É fácil de perceber, pela cor, que os ratinhos que estudámos eliminam os produtos da destruição dos glóbulos vermelhos pela urina", observa Susana Ramos, investigadora que inspirou e co-liderou o estudo.
A especialista acrescenta que a equipa foi percebendo que, apesar disso, os animais não podiam estar a eliminar o ferro na totalidade. Esse facto levou os investigadores a pensar que deveria existir uma "população de células no rim que reabsorve e recicla o ferro da urina, para manter algum nível de normalidade nestes animais anémicos".
Segundo o IGC, num estudo anterior, estas células renais - denominadas células epiteliais do túbulo proximal renal - já tinham revelado a sua importância para eliminar produtos tóxicos que promovem formas graves da malária. Neste novo relatório, terão voltado a dar provas do seu "incrível papel na prevenção da mortalidade" da referida doença.
"Não estávamos à espera de que os rins tivessem um papel tão imediato para restabelecer a formação destas células do sangue", confessa Qian Wu, primeiro autor do estudo. Este investigador terá descoberto que estas células alteram o seu programa genético de tal modo que passam a ser capazes de absorver e armazenar o ferro, devolvendo-o mais tarde à circulação e facilitando a formação de novos glóbulos vermelhos.
Experiência com ratinhos ajudou a tirar dúvidas
O IGC avançou ainda que, para perceber as implicações deste mecanismo, a Unidade de Transgénicos do instituto criou ratinhos nos quais o gene que permite às células renais exportar o ferro - a ferroportina - foi eliminado. Segundo os investigadores, as observações foram surpreendentes.
"Os animais desenvolveram anemia grave e morreram, um exemplo claro de como um simples mecanismo celular pode ter efeitos profundos em todo o corpo", explicam. Ao restabelecer o circuito do ferro e o número de glóbulos vermelhos, os rins colocam um travão na anemia, garantindo que os diferentes órgãos recebem oxigénio e continuam a funcionar quando o hospedeiro é infetado.
"Esta descoberta é uma clara demonstração de como o metabolismo de um hospedeiro infetado pode ser modificado para determinar o desfecho de uma doença infecciosa, neste caso a malária", explica o investigador principal, Miguel Soares.
A investigação ganha particular importância uma vez que "as complicações mais graves e potencialmente letais da malária, como a insuficiência renal aguda, surgem quando o parasita Plasmodium - transmitido pela picada de mosquitos - invade os glóbulos vermelhos do hospedeiro", prossegue Miguel Soares. Isso destrói estas células, acabando por causar anemia.
Descobertas contribuem para aperfeiçoar prognósticos
Assim, segundo o IGC, quando a insuficiência renal aguda e a anemia ocorrem em simultâneo, "criam uma sinergia que aumenta consideravelmente o risco de morte dos doentes". Estas conclusões terão resultado da inclusão no estudo de 400 pessoas internadas com malária no Hospital Josina Machel-Maria Pia, em Angola, onde esta doença é a principal causa de morte.
Para os investigadores, as descobertas ajudarão a fazer um prognóstico dos doentes infetados com mais segurança e de forma personalizada. "Pessoas com algumas mutações genéticas neste exportador do ferro nas células do rim têm uma menor probabilidade de desenvolver anemia grave e de morrer", esclarece Miguel Soares.
O IGC acrescenta ainda que, se as células renais não conseguem exportar o ferro que absorvem, os doentes podem tornar-se mais suscetíveis à insuficiência renal aguda e à anemia. Assim, os investigadores podem agora "começar a pensar em estratégias terapêuticas dirigidas a esta via metabólica".
Desenvolvido pelo IGC, o estudo "Renal control of life-threatening malarial anemia" contou com a colaboração do Instituto de Ciências de Saúde, em Angola, além de instituições austríacas, francesas e chinesas.