Por todo o país estão a surgir projetos de "apropriação" do espaço público, tornando-o também local de brincar, de jogos, de convívio entre gerações e culturas e disputando-o com outras funções, como a deslocação. E a população não abdica de se envolver na procura das soluções.
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Em Valongo, a revisão do Plano Diretor Municipal teve a participação de alunos e da comunidade educativa, envolvendo-os no processo de pensar o espaço público "como área de brincadeira e de convívio", conta o edil José Manuel Ribeiro, adiantando que a iniciativa "À procura do meu lugar" foi uma "experiência marcante". Repensar o mobiliário urbano (que pode servir para piqueniques), fomentar o convívio intergeracional, criar espaços desportivos e de brincadeira ao ar livre, qualificar o recreio escolar e espaço perto da casa dos avós, plantar mais árvores, conseguir interação com água para brincadeiras e contacto com animais são algumas das 500 sugestões que tem em mãos.
A ideia da Autarquia é agora "selecionar alguns espaços para fazer intervenções e experiências". Não será fácil, já que a criatividade reinou, com as crianças a pedirem também para as cidades as deixarem "voar sem asas, terem foguetões, passagens secretas entre casas e mobiliário flutuante", enumera José Manuel Ribeiro, "fã" confesso dos processos participativos.
Em Aveiro, depois da experiência do Lab Cívico Santiago, continuam a realizar-se atividades de dinamização do espaço público, envolvendo a comunidade. O "Kit a Nossa Rua", projeto que venceu um orçamento participativo, coloca no atrelado de uma bicicleta elétrica um conjunto de peças de mobiliário urbano, como mesas, cadeiras, relva sintética, jogos infantis, toldos, entre outras coisas.
Queremos que as crianças e as pessoas resgatem para si o espaço público, que brinquem, andem de bicicleta, que haja encontro de gerações e partilha de saberes
A ideia é que esta ferramenta facilite a utilização do espaço público com interação social. No próximo domingo, será usado pela primeira vez na Rua Almirante Cândido dos Reis (perto do Comando Territorial da GNR).
"Queremos que as crianças e as pessoas resgatem para si o espaço público, que brinquem, andem de bicicleta, que haja encontro de gerações e partilha de saberes", que se "experimentem formas diferentes de viver a cidade", diz Gil Moreira, da equipa promotora. Um exercício circunscrito no tempo e no espaço que permita "experimentar futuros diferentes e aprender que pode haver outros caminhos", descobrindo "novas potencialidades entre todos".
Durante os confinamentos, conta José Carlos Mota, do Laboratório de Planeamento e Políticas Públicas da Universidade de Aveiro, em muitos casos a rua tornou-se o "único refúgio do brincar, porque não havia jardins e parques próximos".
Tornou-se crescente o desejo de resgatar a rua, que está cheia com a função de estacionamento ou deslocação de automóveis, para a função lúdica
Tornou-se crescente o desejo de "resgatar a rua, que está cheia com a função de estacionamento ou deslocação de automóveis, para a função lúdica" e termos "mais espaços para brincar informal". A renegociação do espaço obriga a "repensar os padrões de deslocação" e a retirar "protagonismo" ao automóvel na cidade, acrescenta José Carlos Mota, sublinhando que as questões não se podem separar.
Entre as várias interrogações que se levantam, está a da adequação do mobiliário urbano: como podemos começar a equipar o espaço público com mobiliário diferente, que vá além do simples banco isolado? Em países como a Dinamarca e Suécia, conta José Carlos Mota, nos últimos anos têm vindo a "surgir novas peças de mobiliário urbano e o brincar estende-se também a jovens e pessoas mais velhas, sendo mais inclusivas".
Eventos como o do Kit em Aveiro e outros que decorrem em Portugal, que são um "convite a uma apropriação informal do espaço", devem ter seguimento e dar lugar a "projetos de melhoria do espaço público, para que seja mais atrativo para a função lúdica", defende. Nas cidades, devem-se "disputar outros espaços, criando condições para que possam ser também utilizados por estas duas dimensões do brincar e do jogar, importantes para o desenvolvimento intelectual e físico das crianças".
José Carlos Mota alerta, ainda, que "não podemos reduzir o brincar a locais onde é absolutamente seguro", pois os mais pequenos precisam de desenvolver "autonomia" e aprender a lidar com o "risco". Na Alemanha, exemplifica, "os parques infantis estão a perder o caráter excessivamente protecionista e a começar a ensinar os mais pequenos a lidarem com o risco".
Atividades para coesão social
Em Campanhã, no Porto, Alberto Rocha já dinamizou algumas aulas de ioga num terreno entre o bairro do Falcão e do Cerco, uma das muitas atividades promovidas no âmbito do URBiNAT, um projeto de regeneração urbana inclusiva que incide na Invicta e em mais seis cidades europeias.
A 13 de novembro, será realizado um evento com várias iniciativas, incluindo torneios de malha, iniciação de xadrez, divulgação da história local, jogos para crianças e atividades culturais. Estamos a "lançar as sementes para uma maior participação cívica das pessoas", explica Alberto Rocha.
O URBiNAT faz questão de envolver a população local no desenvolvimento de ações e aposta em soluções de base natural. Em Campanhã deverá nascer um corredor saudável e a coesão social sair reforçada de todo o processo.
Há um conjunto de intervenções que podem tornar o espaço público mais rico, com impacto no bem-estar das pessoas, na melhoria da saúde e até da economia
Gonçalo Canto Moniz, arquiteto e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que coordena o URBiNAT, explica que, atualmente, as pessoas "reclamam a participação" na construção das soluções que consideram mais adequadas. O espaço público, refere, pode albergar várias funções, do lazer à atividade desportiva, economia e aprendizagem. Há um conjunto de intervenções que podem tornar o espaço público mais rico - com impacto no bem-estar das pessoas, na melhoria da saúde e até da economia, se olharmos para o exemplo dos mercados solidários.
Em Portugal, as várias atividades que se estão a desenvolver, encerrando ruas e promovendo atividades, levam à criação de "hábitos" e podem funcionar como "motor de arranque para futuros envolvimentos". Nestes processos, sublinha, deve-se sempre ter em conta a "diversidade", criando espaços não apenas para crianças ou jovens, mas que incluam todas as pessoas.