Rui Tavares, líder do Livre, critica “tática” baseada num “duopólio Bloco/PS”. Apenas aceita acordo escrito que não “belisque” direitos humanos e aprofundamento europeu.
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O Livre defende uma maioria de Esquerda que não seja uma “solução de improviso”, mas sim baseada num acordo escrito onde os direitos humanos e o aprofundamento europeu não sejam “beliscados”. Critica a “tática” que “substitui o monopólio” socialista por “uma espécie de duopólio BE/PS” e nunca aprovaria uma moção do Chega para derrubar um Governo de Direita, por ser um partido "antidemocrático", admitindo, se uma moção de rejeição for necessária, que o Livre vá “mais cedo para a fila” da Assembleia tomar essa iniciativa.
Que condições coloca para ajudar a viabilizar um Governo de Esquerda, se o PS falhar a maioria absoluta?
O caminho do país é estreito e temos que evitar passar por aquilo que outros já passaram com o crescimento da extrema-direita. Tiveram experiências extremamente perniciosas para as suas democracias. A Esquerda está em condições de se poder entender para uma plataforma governativa, seja no Parlamento ou no próprio Governo. As condições são oferecer um futuro em que a nossa economia se possa tornar mais especializada, com mais valor acrescentado, o que significa salários mais altos e serviços públicos mais bem financiados. E são também estar à altura das aspirações dos portugueses em questões como o combate à corrupção.
Belém tem de exigir um acordo escrito?
É clara a nossa preferência por um acordo escrito e que seja multilateral. Ou seja, em que os vários partidos negoceiem em conjunto, demorando o tempo que for preciso. Desta vez, não temos um orçamento com duodécimos, como guilhotina a apressar-nos. Temos tempo suficiente até ao próximo para negociar os quatro anos de programa de Governo. A construção de uma maioria de progresso e de ecologia não pode estar sustentada apenas em acordos bilaterais, como na primeira geringonça, e muito menos pode ser feita de maneira informal, como na segunda geringonça que depois entrou em colapso.
Quais são as linhas vermelhas que o Livre coloca?
Somos um partido de direitos humanos e aprofundamento do projeto europeu. Queremos que a política externa portuguesa seja de critério uniforme. Que apoie a autodeterminação dos ucranianos e a defesa da sua soberania, e ajude a Ucrânia a ganhar a guerra, e que apoie também a autodeterminação dos palestinianos e reconheça a independência do Estado da Palestina. Porque não pode haver solução de dois estados sem reconhecermos os dois estados. Achamos que tem que ser muito clara a forma como Portugal se posiciona em termos de defesa dos direitos humanos e de política internacional, condenando qualquer tipo de imperialismo, não é só de um lado ou só do outro. Por outro lado, no aprofundamento do projeto europeu, achamos que a posição tradicional dos governos portugueses, sejam do PS ou do PSD, é de uma grande timidez em relação às reformas institucionais de que a União Europeia precisa, no sentido de se tornar mais democrática, porque só uma Europa mais democrática poderá ser mais forte.
Aceita participar numa geringonça com BE e PCP?
Cada partido tem a sua tradição e identidade política. Agora, temos de estar de acordo em relação ao respeito pelos direitos humanos e ao aprofundamento do projeto europeu, bem como à sua democratização. Não exercemos nenhum direito de veto ou princípio de exclusão em relação a partidos democráticos, que sejam do campo da Esquerda, do progressismo e da ecologia. Certamente também não vão mudar as ideias do Livre. Mas nos acordos que forem escritos, aqueles temas não podem ser beliscados. Os partidos da Esquerda parlamentar em Portugal são partidos com os quais temos diferenças, às vezes bastante grandes neste plano da Europa e dos direitos humanos ou da política internacional, mas são partidos que não oferecem dúvidas em relação à sua lealdade à Constituição e ao projeto democrático no nosso país. Coisa que não se pode dizer do partido da extrema direita e, por isso, rejeitamos por completo qualquer tipo de equivalência que às vezes tentam fazer à direita entre o PCP e o BE de um lado, e o Chega do outro.
Admite viabilizar um governo minoritário da Aliança Democrática (AD) se isso travar o Chega?
Se houver maioria de Esquerda, estaremos do lado da solução. Se houver maioria de Direita, seremos oposição. O Livre, até hoje, nunca votou a favor de nenhuma moção de censura ou de nenhuma proposta de lei do Chega ou mesmo de um projeto de resolução, à exceção de votos de pesar. E não o fazemos, não votamos a favor porque consideramos que o Chega é um partido antidemocrático e anticonstitucional. Evidentemente, a decisão caberá à Assembleia do Livre, mas mantendo nós a nossa consistência, essa moção de rejeição, se nós acharmos que ela deve ser apresentada a um Governo de direita, nem que vá o Livre mais cedo para a fila, nesse dia, na Assembleia da República, para a apresentarmos nós. Na situação específica de uma anunciada apresentação de uma moção de rejeição por parte do Chega, deve ser em primeiro lugar ridicularizada nos seus próprios pressupostos. Basicamente o que o Chega está a dizer é não se sabe qual é o Governo, não se sabe qual é o programa, não sabe qual é a sua composição, não conhece os ministros nem as ministras e rejeita. Rejeita porquê? Porque não tem lugares no Governo, porque não tem negociação e, portanto, basicamente, se não houver tachos rejeita.
O BE fez bem em dizer que está disponível para acordos pós-eleitorais?
Claros devemos ser todos. Não me parece é que haja grande clareza numa situação em que, quando as sondagens só dão uma maioria se for com todos os partidos de Esquerda, o BE queira substituir o monopólio do PS por uma espécie de duopólio Bloco/PS. Acaba por ser um discurso mais tático do que verdadeira clareza, como é o Livre dizer que todos temos de nos sentar à mesa no dia a seguir às eleições. Uma maioria à Esquerda deve ser bem utilizada. Não para uma solução de improviso ou uma solução que dois anos depois falhou. O Bloco também contribuiu para que falhasse.
O objetivo é também impedir que haja novamente uma maioria absoluta?
Há muita gente que deu a maioria absoluta ao PS e que nos disse logo a seguir que a sua vontade era votar no Livre. Isso provavelmente na altura 'roubou-nos' um deputado aqui no Porto. Porque havia sondagens a darem-nos essa eleição e a pressão do voto útil nos últimos dias foi muito forte. Mais do que pressão, foi chantagem por uma maioria absoluta que depois correu como todos nós vimos. Portanto, com essa lição bem fresca na mente, nós achamos que a pressão por esse voto útil será bastante menor e, pelo contrário, que muitos eleitores vão pensar que não querem só que a Esquerda ganhe, porque pode dar uma estabilidade que é preferível à barafunda da Direita, mas querem também que dentro da Esquerda, a Esquerda verde europeia que o Livre representa tenha um papel forte porque tem propostas de futuro.
Acredita na eleição de um grupo parlamentar?
Sim, claramente, acho que o Livre vai crescer, vai ter um grupo parlamentar. Há vários distritos onde, segundo as sondagens, vamos eleger. Acreditamos que assim será no Porto, além de Lisboa e Setúbal. Depois há outros distritos que ficarão em jogo, durante a própria campanha eleitoral e com os debates televisivos, como Braga ou Aveiro, mas também Faro, Leiria e Santarém.
É preciso chegar rapidamente a acordo com os docentes para a recuperação total do tempo de serviço? Pedro Nuno Santos, líder do PS, diz que uma legislatura pode não chegar?
Não deve ficar dependente de mais do que uma legislatura, porque estaremos a fazer uma promessa que não depende só de nós e que os professores podem recusar por acharem que não vai ser cumprida por aqueles com quem estarão a negociar. É importante que se chegue a acordo e se alcance a harmonia social e laboral na educação, como aliás na saúde, na justiça e noutras áreas importantes para o nosso país, e que isso seja até ao fim do ano de 2024. Ainda acharia mais desejável sermos mais audazes e fazê-lo nos primeiros 100 dias de governação.
Qual a meta para o salário mínimo nacional até 2028?
Não vale a pena entrar em guerras de números ou leilão de quanto é que um e outro dá. Propomos acima de tudo critérios, como ser pelo menos 80% do salário mínimo espanhol. A esse critério acrescentamos o de ser pelo menos 50% do PIB per capita. O nosso cálculo é que sejam 1150 euros.
O que vai fazer para tornar o SNS mais apelativo do que o privado para os médicos?
Há uma concorrência desleal. O privado sabe tudo acerca do público porque conhece as grelhas salariais, o número de procedimentos, de camas e por aí fora. O público não sabe nada sobre o privado, o que configura uma situação de assimetria da informação na concorrência. Está a lutar de olhos vendados. Os privados devem ser, por lei, obrigados a dar o mesmo tipo de informações que o público. Se a concorrência existe, pelo menos que seja leal. Isso permitirá ao público planear melhor, perceber até que ponto tem que subir as ofertas para assegurar médicos.
Como pensa resolver a crise da habitação e facilitar, em particular, o acesso dos jovens?
Para que as pessoas possam voltar a aceder ao crédito, e não se crie esta fratura em que os mais velhos compraram casa e os mais novos ficam de fora, propomos a criação de um fundo de ajuda que comparticipa a entrada da casa. Esse fundo público fica coproprietário daquela percentagem da casa, por exemplo 5% se essa for a entrada paga.
As duas últimas perguntas são dos leitores, via Instagram: a primeira é de Manuel Pinho e a segunda de Catarina Meira