Transferência de utentes entre hospitais do SNS é pioneira e visa levar as unidades a recuperar atrasos. Primeiros doentes foram de Leiria e de Faro.
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Lucília Monsanto esteve 230 dias - 150 seria o expectável - à espera de uma cirurgia para extrair a vesícula, que já lhe dava "crises" desde novembro. "São crises de morrer. É pior do que ter um bebé e eu já os tive, sei o que é", descrevia a sexagenária natural de Leiria, instantes antes de entrar no bloco operatório do Hospital de S. João, no Porto, que sexta-feira realizou as primeiras cirurgias a pacientes de outras unidades para ajudar a reduzir as listas de espera, agravadas pelo empenho dos profissionais de saúde no combate à pandemia de covid-19.
"Em Leiria, já me tinham chamado para ir ao anestesista e disseram-me que, entretanto, ia ser operada. Mas não chamavam. Não sei o que se passou". Estava à espera, "a sofrer", recorda a doente, quando há 15 dias recebeu uma carta para que pudesse, no âmbito do SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia), ser selecionada por outro hospital disponível para realizar a colecistectomia. "Vimos que o que estava mais livre era o S. João e a minha nora ligou para cá. A doutora foi muito querida. E agora, já estou aqui. Foram muito simpáticos", elogiava a utente, a disfarçar os "nervos" pelo aproximar da intervenção.
Eram quase 10.30 horas quando Lucília entrou no bloco operatório central. Antes, tinha sido a vez de um paciente de Faro, 42 anos, submetido a idêntica cirurgia. Ambos tinham chegado na véspera ao hospital, com a expectativa de ter alta no dia seguinte.
Esta semana, o S. João conta operar mais oito doentes de outros pontos do país, cujos processos foram transferidos nos últimos dias. Cinco são de Viana do Castelo, dois do Algarve e um de Viseu, detalhou a diretora do Serviço de Cirurgia Geral e da Unidade Autónoma de Gestão de Cirurgias, Elisabete Barbosa. Adiantando que o hospital tem capacidade "para receber entre 20 e 30 doentes por mês de outras instituições" e que está a "receber doentes de norte a sul".
Além da cirurgia geral, também as especialidades de neurocirurgia e de ortopedia estão já preparadas para operar pacientes de diferentes pontos do país, indicou a médica, explicando que, com "a lista de utentes inscritos para cirurgia completamente estabilizada" desde o "final de 2020", o S. João reúne as "condições para ajudar os outros hospitais".
"Chegámos a uma situação em que temos todos os nossos doentes que aguardam cirurgia a respeitar o tempo máximo de resposta garantida e achamos que era altura de colaborar com os outros hospitais do Serviço Nacional de Saúde e receber doentes que estão há mais tempo à espera" para serem operados, salientou Elisabete Barbosa, lembrando que a transferência de utentes"de [instituições] SNS para SNS é uma coisa pioneira".
