Sair à noite já não é o que era. Abertura de discotecas em queda na última década
A abertura de novos espaços de diversão noturna reduziu mais de 50% entre 2014 e 2024. O fenómeno não é exclusivo de Portugal e é justificado pela mudança de hábitos, concorrência e fatores económicos.
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O declínio é transversal em toda a Europa e Portugal não é exceção. Numa década, o número de aberturas de discotecas caiu para metade, numa trajetória descendente difícil de travar. O encerramento de 19 meses forçado pela pandemia contribuiu para o abalo do setor, que enfrenta hoje desafios como a mudança de hábitos do público, a concorrência de outros espaços de diversão noturna ou o aumento de custos. Contrariando a tendência, um grupo de cinco empresários do Minho juntou-se para reabrir o Pacha Ofir, fechado há sete anos.
Segundo a Associação das Indústrias de Diversão Noturna do Reino Unido, o país perdeu 37% das discotecas nos últimos quatro anos, cerca de 150 por ano, “um ritmo que pode levar à extinção” até 2030. Em Itália, a Imprensa aponta para o fecho de 2100 nos últimos 14 anos e, na Alemanha, só resta um terço daquelas que existiam em 2011. Por cá, o cenário não é tão dramático: de acordo com a Informa D&B, analista de empresas, há menos discotecas a estrearem-se no mercado do que há 10 anos – cerca de metade entre 2014 e 2024 –, mas o saldo entre as aberturas e os encerramentos continua a ser positivo. Tal pode ser justificado pelo facto de os dados incluírem os restaurantes com espaço de dança, que começam a ganhar cada vez mais adeptos.
Saídas mais cedo
"Seguindo a tendência europeia, as discotecas começam a deixar de fazer sentido na noite. Hoje em dia, há restaurantes com pista de dança e bares que serviam para conversar e beber um copo, e que agora têm pista e DJ. Há uma evolução que nem para todos foi positiva", corrobora José Gouveia.
O antigo empresário do setor, que durante a pandemia foi presidente da Associação Discotecas Nacional, defende que apesar de os hábitos terem mudado – com as pessoas a privilegiarem saídas cada vez mais cedo –, a falta de regularização dos horários criou uma competição que antes não existia. "Os restaurantes tiraram espaço aos bares, os bares tiraram espaço às discotecas e as discotecas ficaram sem espaço. Com horários cada vez mais alargados, as discotecas só começam a trabalhar por volta das 4 horas da manhã. E duas ou três horas para faturar não é suficiente para aguentar a máquina", aponta.
De acordo com o "Financial Times", em 12 de 15 cidades mundiais com expressão no setor, o número de discotecas abertas após as 3 horas da manhã diminuiu, em linha com o "novo" mercado. "A pandemia contribuiu para essa mudança, janta-se mais cedo e procura-se um lugar com o intuito de ficar. E depois, claro, há outros fatores como a saúde. As pessoas perceberam que é saudável acordar cedo no dia a seguir para fazer outras atividades", justifica o também comissário municipal para a Noite de Lisboa, indicando ainda as plataformas de streaming e os jogos online como "concorrentes indiretos" das discotecas.
Novos concorrentes
Mas os fatores não ficam por aqui: os custos cada vez mais elevados e o surgimento de eventos esporádicos, criados em espaços aleatórios e sem estarem dependentes de um estabelecimento, também agudizam o declínio. "É uma das principais queixas das discotecas. Hoje, qualquer armazém, com meia dúzia de luzes e uma cabine de DJ, é um espaço de eventos. É um fenómeno que está a acontecer em toda a Europa e cá não é exceção", denuncia o antigo empresário, apelando à fiscalização e regulação urgente desta atividade.
Ainda que considere que alguns espaços de diversão noturna não se souberam “reinventar” após a pandemia, José Gouveia é perentório: "Não é possível voltar atrás e reproduzir o passado, é um contrassenso. A cultura da noite mudou e é preciso que haja adaptação".