Secretária ligou a diretora de Pediatria do Santa Maria a pedido de Lacerda Sales
Carla Silva, ex-secretária de Lacerda Sales, admitiu esta sexta-feira que esteja a servir de "bode expiatório" quando o antigo secretário de Estado da Saúde nega envolvimento no caso das gémeas. Contou ter ligado à diretora do serviço de Pediatria do Santa Maria a pedido de Lacerda, tal como fez com o filho de Marcelo.
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Aos deputados da comissão de inquérito, relatou que, antes de enviar os dados das crianças ao hospital de Santa Maria, ligou à diretora do serviço de Pediatria, Ana Isabel Lopes, "a pedido logicamente do secretário de Estado da Saúde", que lhe pediu para falar com o Hospital. E, "tratando-se de crianças, falou na Pediatria". "O que ficou combinado ao telefone era que lhe iria enviar os dados", recordou Carla Silva.
"Perante a ordem que recebi do senhor secretário de Estado, nunca me passou pela cabeça que houvesse alguma irregularidade", defendeu ainda. Mais tarde, detalhou que após Lacerda Sales lhe ter dado instruções para "falar com o hospital", escolheu fazer esse mesmo contacto junto da diretora da Pediatria, que conhecia "profissionalmente".
"O doutor Lacerda tinha pleno conhecimento"
Sobre este assunto concreto, assegurou depois que fez o pedido de marcação de consulta à diretora do departamento de Pediatria, Ana Isabel Lopes, com o "conhecimento de Lacerda Sales". "O doutor Lacerda Sales tinha pleno conhecimento de toda a minha intervenção neste processo, sem dúvida", reforçou.
"Foi um pedido de marcação de consulta"
"O meu telefonema com a professora Ana Isabel Lopes foi um pedido de marcação de consulta, independentemente de eu ter colocado no assunto do email pedido de avaliação clínica ou ter falado há pouco em sinalização. Foi um pedido de marcação de consulta", destacou depois no final da audição, perante as dúvidas sobre as diferentes expressões que utilizou para justificar o contacto com a direta do serviço.
"Não fiz nada que o senhor secretário de Estado não soubesse ou não me tivesse pedido", assegurou igualmente Carla Silva, que recusou pronunciar-se sobre as declarações de Lacerda Sales que lhe imputam a responsabilidade pela marcação da consulta. "Nada tenho a comentar", respondeu a André Ventura, líder do Chega. Mas confirmou a este deputado que reencaminhou para Lacerda Sales o email do filho de Marcelo, associado a outro da mãe das gémeas, em que Daniela Martins agradecia ao então governante todo o apoio dado às crianças.
Além disso, afirmou que "não existe relação" entre o facto de Lacerda Sales a ter escolhido para fazer o contacto junto do hospital e a circunstância de ter trabalhado naquele departamento entre 2011 e 2013.
Lacerda mandou-a tratar do caso após reunião com filho de Marcelo
Carla Silva insistiu que contactou o filho de Marcelo quando o então secretário de Estado da Saúde lhe "pediu para entrar em contacto com Nuno Rebelo de Sousa" e lhe explicou que "havia duas crianças que necessitavam de uma consulta". Mas disse não ter memória de ter marcado uma reunião entre Lacerda Sales e o filho de Marcelo. "O senhor secretário de Estado muitas vezes agendava diretamente as reuniões. Não passava pelo secretariado", argumentou.
A ex-secretária pessoal de Lacerda contou ainda que foi mandatada pelo antigo secretário de Estado para tratar do caso depois da reunião que o governante teve com o filho de Marcelo. E insistiu que foi também Lacerda quem lhe deu o número de Nuno Rebelo de Sousa e solicitou que pedisse os dados das gémeas.
Conhecia os médicos do Santa Maria
Admitiu ainda, em resposta ao socialista João Paulo Correia na comissão de inquérito, que conhecia, aquando da passagem pelo Santa Maria, os médicos do serviços de Pediatria e Neuropediatria do hospital.
De acordo com o relatório da Inspeção Geral de Atividades em Saúde (IGAS), foi Carla Silva quem contactou o Hospital Santa Maria para marcar a consulta das gémeas, uma informação já negada por Lacerda Sales. Daí resultou a dúvidas sobre se, afinal, Carla Silva enviou ou não um e-mail ao Hospital de Santa Maria a pedido de Lacerda.
Lacerda pediu-lhe um encontro após notícias
Carla Silva revelou ainda, perante questões da deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro, que Lacerda Sales a contactou "em novembro ou dezembro do ano passado", após o caso ser conhecido publicamente, para lhe propor um encontro. "Pretendia encontrar-se comigo para me fazer uma pergunta. Não sei se era no âmbito deste caso", afirmou.
Sente-se "um bode expiatório"
Em resposta ao Bloco de Esquerda, admitiu depois sentir-se "um bode expiatório". "Temos um ex-secretário de Estado da Saúde a negar qualquer intervenção neste caso e a levantar suspeições em relação a mim, que era secretária do gabinete supostamente de confiança", lamentou Carla Silva. "Hoje não voltaria a fazer o mesmo, que fique bem claro", disse ainda por ter hoje "uma visão geral de tudo o que está envolvido neste processo".
Referiu também que em novembro de 2023, quando o caso foi conhecido, falou com Manuel Pizarro, que era ministro da Saúde, e lhe transmitiu "a verdade".
Chega chama Lacerda de novo à comissão
O Chega anunciou entretanto que vai chamar novamente Lacerda Sales à comissão de inquérito das gémeas, de forma potestativa. André Ventura justificou que o pedido surge na sequência das declarações feitas pela ex-secretária que, segundo destacou o líder do Chega, contradizem o que foi dito por Lacerda Sales na mesma comissão.
Costa responsabiliza Lacerda por atos da secretária
No dia em que é ouvida, a comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma recebeu as respostas de António Costa, segundo confirmou o presidente da comissão. E terá de ser ainda decidida a sua divulgação.
António Costa defende que Lacerda Sales, como qualquer outro secretário de Estado, é responsável por "atos e omissões" da sua secretária e não tinha competência para marcar consultas. Além disso, o ex-chefe de Governo nega conhecimento ou intervenção no caso das gémeas. "Os membros do governo são responsáveis pelos atos de quem está sob a sua direção", afirma Costa em resposta à CPI.