Sem título de residência mas vários anos de trabalho em Portugal, imigrantes pedem direitos iguais
A viver e trabalhar em Portugal há vários anos, mas ainda a aguardar o título de residência, mais de mil imigrantes manifestaram-se esta quarta-feira em Lisboa para pedir diretos iguais e "documentos para todos".
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Ziaur Rahman foi uma das muitas pessoas que rumou hoje até à Assembleia da República para pedir uma resposta para a sua situação.
A viver em Portugal há dois anos, submeteu o pedido para a autorização de residência em setembro de 2023, mas continua à espera de resposta.
Entretanto, tem trabalhado sempre na cozinha de um hotel em Lisboa e diz querer continuar a viver no país, para onde quer trazer a família do Bangladesh assim que a sua situação estiver regularizada.
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As dificuldades na obtenção de título de residência são comuns a todas as pessoas ouvidas pela Lusa, com quem os manifestantes pediam para falar, como se a partilha da sua situação à comunicação social pudesse, de alguma forma, ajudar.
Oriundo da Índia, Ninja Hundal está há seis anos a viver em Portugal. Trabalha no setor da agricultura e garante que sempre descontou para a Segurança Social e pagou os devidos impostos, no entanto agora a empresa pediu-lhe o título de residência para que pudesse continuar a trabalhar, mas ainda não tem o documento.
Conta também a história de um colega de trabalho, cuja família ainda está na Índia. Recentemente, a mulher faleceu, mas por não ter título de residência válido, não pode ir ter com as filhas, uma vez que depois não conseguiria regressar a Portugal.
Em representação da Solidariedade Imigrante, que organizou o protesto, José Soeiro denunciou ainda que, nos últimos meses, dezenas de pessoas foram detidas apenas por constarem na lista do Sistema de Informação Schengen (SIS) por residência irregular num dos estados-membros.
Foto: Manuel de Almeida/Lusa
"O Governo está a fazer uma perseguição política aos trabalhadores imigrantes", acusou o também ex-deputado do Bloco de Esquerda, que relatou casos de trabalhadores no Porto "que tiveram a polícia a ir à casa deles para os levar para um centro de detenção".
A sua situação ainda não foi tão longe, mas Karan também já foi notificado pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) por constar na lista do SIS.
Em declarações à Lusa, conta que antes de vir para Portugal, onde vive há três anos, esteve noutro estado-membro da União Europeia, mas nunca chegou a regularizar a sua situação.
Durante cerca de duas horas, os mais de mil manifestantes, sobretudo oriundos de países do subcontinente indiano, concentraram-se pacificamente em frente à Assembleia da República, quase sempre sentados e atentos aos testemunhos e palavras de apoio proferidas ao microfone.
Debaixo do sol do início da tarde, alguns membros da comunidade Sikh iam distribuindo água, comida e sumos para fazer face ao calor intenso, enquanto outras pessoas socorriam-se dos cartazes para terem alguma sombra, deixando as mensagens visíveis.
"Quem não cometeu crimes não pode ser privado de liberdade" ou "Basta de detenções arbitrárias" eram algumas das frases exibidas, enquanto gritavam palavras de ordem como "direitos iguais" e "documentos para todos".
"Trabalho numa frutaria e os clientes tratam-me mal. Não sou um animal, sou um rapaz, estou a trabalhar", lamenta Sukhjinder Singh, que pede respeito pelos imigrantes, relatando que quando chegou, há quatro anos, em busca de uma vida melhor que lhe permitisse ajudar os pais, na Índia, sentiu-se bem-vindo, mas a discriminação tem piorado.
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Além de José Soeiro, outros representantes partidários fizeram questão de passar pelo local para manifestar solidariedade para com os imigrantes.
"Estamos a falar de trabalhadores que procuram no nosso país uma vida melhor, que trabalham, que vivem cá, que descontam e, portanto, a resposta que tem de ser assegurada é de integração, de acolhimento, de garantia de condições de trabalho, de garantia de condições de vida, de regularização", sublinhou Paula Santos, líder parlamentar do PCP.
Pelo Livre, Isabel Mendes Lopes acusou o Estado de falhar no "direito mais básico a ter documentação", enquanto exige "uma série de deveres". "Isso tem consequências muito grandes na vida das pessoas", acrescentou.
Já no final do protesto, quando dezenas de manifestantes começavam a desmobilizar em direção à rua de São Bento, a chegada do líder do Chega pôs fim à manifestação até então pacífica, com André Ventura a ser recebido com muita contestação e palavras como "fascista", "racista" e "Portugal é de quem trabalha".
Para a organização da manifestação, a presença de André Ventura no protesto tratou-se de "um ato provocatório, como é habitual nele".