Os diabéticos não têm um sítio específico onde deitar as agulhas, tiras, lancetas e seringas que usam diariamente nos seus tratamentos.
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O presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), José Boavida , garante que "há cerca de 650 mil unidades que não têm destino correto para ser encaminhadas e que, provavelmente, são depositadas no lixo geral", porque nenhuma entidade está licenciada pela Agência Portuguesa do Ambiente para as recolher e incinerar.
"É um problema de saúde pública que precisa da atuação urgente dos ministérios da Saúde e do Ambiente para a criação de uma rede nacional para a gestão dos resíduos. Mas este é um caso que fica órfão, porque ninguém quer tomar conta", denuncia Boavida, garantindo que já alertaram o Governo para o problema.
Ao JN, a Agência Portuguesa do Ambiente recomenda a colocação dos resíduos em ecocentros, "evitando que se misturem com os demais resíduos, o que acontece se forem depositados nos contentores de proximidade". E está a "avaliar a implementação de um modelo de recolha seletiva para resíduos perigosos, produzidos nas habitações".
Até ao início do ano, muitos diabéticos colocavam, inadvertidamente, as seringas usadas no recipiente de recolha de medicamentos fora do prazo. "Com a covid, as farmácias que já aceitavam as agulhas por favor, deixaram de aceitar e, agora, não há mesmo onde colocar o material que usamos para injetar insulina e para picar os dedos", frisa Maria Gonçalves, diabética residente em Famalicão. "A diabetes não se vê, mas as agulhas, as tiras, as lancetas e as seringas veem-se. Ocupam espaço e não sabemos onde as deixar" disse, depois de passar os últimos meses a tentar encontrar um local para depositar o material.
"Da farmácia mandam-me para o centro de saúde e vice-versa. Enquanto não houver uma solução, estou a guardar tudo em sacos", afirmou. Como ela, cerca de um milhão de diabéticos não sabe o que fazer.
saúde pública em causa
As farmácias garantem que se têm empenhado numa solução. "Temos vindo a alertar as entidades ligadas ao setor da saúde e ambiente para a necessidade de enviar para tratamento adequado qualquer material cortoperfurante de origem doméstica", evitando "um problema ambiental e de saúde pública para o qual não existe solução", disse Nuno Flora, secretário-geral da Associação Nacional de Farmácias. Em alguns locais, foi testado o "agulhão", mas sem sucesso por falta de tratamento adequado dos resíduos.
A única reciclagem que parece funcionar é dos "materiais recolhidos, no âmbito do Programa Troca de Seringas e dos resíduos farmacêuticos e que são integralmente suportados pelas farmácias", garante Nuno Flora.
O Ministério do Ambiente diz não dispor dados sobre este tema e que não existe "uma obrigação de entrega destes resíduos em circuito específico de recolha". Sem tratamento para as seringas, "é aconselhável proceder à sua segregação e entrega em ecopontos sempre que ofereçam este serviço", sem detalhar quantos existem no país e onde.
Pormenores
Petição da Quercus - A Quercus lançou uma petição para criar e dinamizar mecanismos que financiem uma rede de recolha próxima da população, semelhante à que já existe para a recolha de medicamentos.
Lei de 1996 - Um despacho de 1996 respeitante à incineração de resíduos hospitalares, responsabiliza cada instituição pela destruição dos resíduos biológicos e perfurantes, bem como o pagamento dos custos associados.
Oito agulhas por dia Cerca de 50 mil portugueses sofrem de diabetes tipo 1 que, em média, exige o uso de 6 a 8 agulhas por dia. Em 2015, foram disponibilizadas 1,4 milhões de embalagens de insulina e 2,8 milhões de embalagens de tiras.
Plano 2030 - O Plano Estratégico de Resíduos Urbanos 2030 prevê o tratamento de cortantes e seringas.
Valormed apoia - A Valormed, empresa que trata de resíduos médicos, está a ultimar uma proposta. "Se formos licenciados, criamos uma fileira para estes resíduos", concretiza.