O serviço militar obrigatório (SMO) saltou para a atualidade em Portugal, mas o debate não é novo no contexto da Europa e da NATO. Saiba o que está em causa, o que está a acontecer na União Europeia e o que defendem os partidos e as associações do setor.
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O que reacendeu o debate sobre o SMO?
Depois do fim da Guerra Fria, a maior parte dos países da NATO e da União Europeia (EU) acabaram com o serviço militar obrigatório (SMO). Em Portugal, foi extinto em 2004. A invasão da Ucrânia pela Rússia e a dependência dos EUA, considerada excessiva e preocupante por muitos estados europeus, reacendeu o debate sobre a necessidade de cada nação ter forças armadas mais robustas sustentadas por uma base de caráter obrigatório.
O que está a acontecer na Europa?
Entre os grandes defensores do regresso do SMO estão os três países bálticos que se sentem mais ameaçados por Moscovo – Estónia, Lituânia e Letónia –, sendo que este último já o reintroduziu no início deste ano. Polónia e Itália descartam, para já, a ideia, a Alemanha e os Países Baixos discutem a possibilidade. A Dinamarca vai alargar o recrutamento obrigatório, a partir de 2026, às mulheres, à semelhança do que já acontece na Noruega e na Suécia.
Quais são os países da NATO com SMO?
Dinamarca (homens com 18 anos: 4 a 12 meses), Estónia (homens entre 18 e 26 anos: 8 a 11 meses), Finlândia (homens com 18 anos: 5 a12 meses), Grécia (homens entre 19 e 45 anos: 12 meses), Letónia (homens entre 18 e 27 anos: 11 meses), Lituânia (homens entre 19 e 26 anos: 9 meses), Noruega (homens e mulheres entre 19 e 35 anos: 19 meses), Suécia (homens e mulheres entre 18 e 47 anos: 9 a 12 meses) e Turquia (homens entre 20 e 41 anos: 6 a 12 meses).
Quais são os estados-membros da EU não pertencentes à NATO com SMO?
Apenas dois: Áustria (homens entre 18 e 35 anos: 6 meses ou 9 meses de serviço comunitário/civil) e Chipre (homens cipriotas gregos entre 18 e 50 anos: 14 meses).
Em Portugal, porque o assunto voltou à atualidade?
Na passada sexta-feira, num artigo no “Expresso”, o chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, afirmou que pode vir a ser necessário “reequacionar o serviço militar obrigatório, ou outra variante mais adequada”, de forma a “equilibrar o rácio despesa/resultados” e “gerar uma maior disponibilidade da população para a Defesa”. Entretanto, esta quarta-feira, defendeu que é preciso “ encontrar uma nova resposta”, que deve ser discutida. “O modelo antigo [do SMO] é precisamente isso, o modelo antigo. Tem que se encontrar uma nova resposta. Isso não é algo que se encontre amanhã, tem que ser discutida, tem que ser uma resposta que o poder político aceite, que a população aceite, porque só todos nós em conjunto podemos dar uma resposta que seja uma resposta do próprio país", disse o almirante.
O que defendem os partidos?
Os partidos estão globalmente contra. Só o Chega admite que o assunto merece ser avaliado, embora reconheça que exige um grande consenso nacional. “O ideal seria que não fosse obrigatório” e que Portugal tivesse “capacidade de gerar voluntários entusiasmados que preenchessem as vagas das Forças Armadas com condições remuneratórias dignas”.
Ainda durante a campanha eleitoral, Luís Montenegro manifestou-se contra o regresso do SMO, preferindo “um sistema de incentivos” ao recrutamento. Na mesma linha, Pedro Nuno Santos disse que o PS apostaria na valorização da carreira militar.
PCP, BE e IL já se manifestaram contra. Paulo Raimundo considerou que, no atual contexto, o serviço militar obrigatório serviria de "carne para canhão" e que importante seria valorizar as carreiras das Forças Armadas. Mariana Mortágua disse que “o BE afasta essa possibilidade”, que foi, aliás “afastada em Portugal há alguns anos". Para a Iniciativa Liberal, "em 2024, numa democracia consolidada como a portuguesa, é eticamente inaceitável que por meio da coerção estatal se obrigue a que jovens abdiquem da sua autonomia e liberdade individual para servir o Estado nas condições e valores que esse mesmo Estado entenda como as adequadas", lê-se num comunicado divulgado nas redes sociais.
E as associações militares?
As associações militares defenderam a valorização das carreiras como forma de resolver a atual crise de efetivos nas Forças Armadas, ao invés de uma eventual reintrodução do SMO. Para o coronel António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), numa altura em que o serviço militar já é "praticamente todo profissional", a prioridade é "olhar para as condições remuneratórias, as carreiras, o apoio na doença e resolver esses problemas".
Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional de Sargentos (ANS), António Lima Coelho, pediu que este debate "não sirva para desviar o foco da atenção do que são os problemas reais, urgentes e que carecem de solução imediata”, até porque “qualquer discussão sobre um qualquer hipotético SMO não vai resolver de concreto".
Também o cabo-mor Paulo Amaral, da Associação de Praças (AP), alertou que esta discussão "não pode fazer esquecer" questões como a melhoria dos salários dos militares, das condições de habitabilidade nas unidades ou a valorização das carreiras.