Gulbenkian apresenta estudo e alerta para necessidade de modernizar setor que usa 75% deste recurso. País está em risco elevado de stress hídrico até 2040.
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"Quase três quartos dos agricultores não mede a água que utiliza, retirando-a de furos, charcas e barragens", apesar de a agricultura ter um peso de 75% na totalidade do consumo de água e de Portugal estar classificado com "um risco elevado de stress hídrico até 2040", avançou a Fundação Calouste Gulbenkian, durante uma sessão que serviu para apontar o caminho a seguir para tornar a atividade mais eficiente, responsável e resiliente.
Os dados constam de um inquérito realizado por aquele organismo e hoje dado a conhecer, antecipando o Dia Mundial da Água, que se assinala dia 22.
É necessário antecipar "grandes desafios e riscos da humanidade", como é o caso "da crise da água e a climática", sublinhou Filipa Saldanha, do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável. Por isso, apesar do último inverno ter sido chuvoso, a Gulbenkian considera que o tema é premente.
"A temperatura tem vindo a aumentar nos últimos 20 anos e os níveis de precipitação têm vindo a diminuir, e, por conseguinte, as secas têm sido cada vez mais severas e cada vez mais prolongadas", sobretudo no sul do país, a região mais vulnerável às alterações climáticas e à escassez de água, explicou Filipa Saldanha.
Precisamos de "antecipar cenários de risco de escassez de água para os próximos 20 anos. Existe um risco elevado em Portugal de ter de gerir pouca água para as necessidades do país até 2040", acrescenta. A agricultura é o setor que "mais pode sofrer" nestes cenários, sendo fundamental abordar a questão dos sistemas de produção de alimentos, experimentar diferentes intervenções, reforçar competências, tecnologias e instrumentos de financiamento.
A agricultura em Portugal é responsável por 75% do uso da água, 20% é gasta pelo consumo urbano e os restantes 5% pela indústria. Os números não diferem muito de outros países. Em Espanha, aponta a Gulbenkian, a agricultura consome 79% da água e na Grécia 81%.
Num inquérito que encomendou para perceber como a água é utilizada e quais os constrangimentos para uma gestão eficiente, foram ouvidos 460 agricultores e 500 consumidores. De acordo com esse estudo, "dois em cada três agricultores de regadio no Alentejo sentem que há menos água relativamente a um passado recente. No Algarve, são três em cada quatro".
Os números foram adiantados por Filipa Dias, do C-Lab, o laboratório especializado no conhecimento e análise da mudança do comportamento do consumidor que desenvolveu o referido estudo.
Para gerir melhor, continuou Filipa Saldanha, "temos que medir, algo que ainda não é uma norma no país". 71% das explorações ainda não têm contador, retirando-a através de acesso direto de furos, charcas e barragens. No entanto, segundo o inquérito, 65% dos agricultores já usa uma rega gota-a-gota, direta à raiz.
Uma agricultura que se move pela precisão tem de recorrer à tecnologia para usar a água que é estritamente necessária, mas isso exige "capacitação". E, apesar da modernização, o setor ainda "é muito envelhecido e com formação abaixo da média", caracterizou a especialista do C-lab.
Ainda segundo o estudo, "dois terços [dos agricultores] precisam de apoio em proximidade" e de uma demonstração ajustada à sua escala e cultura. De outra forma "não conseguem fazer o salto tecnológico que esta nova forma de fazer agricultura exige", conclui Filipa Saldanha.