O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, afirmou, esta quinta-feira, que a exoneração da Procuradora Geral da República colocaria em causa a “autonomia” do Ministério Público, considerando as declarações de Rui Rio ao JN “levianas” e “pouco adequadas”.
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“A exoneração de um Procurador-Geral da República por causa de um processo criminal que ainda está em fase de investigação seria, para todos os efeitos, muito mau que viesse a acontecer para um Estado que se quer de Direito. Isso punha, claramente, em causa aquilo que é a autonomia do Ministério Público”, referiu ao JN, na sequência da entrevista do ex-líder do PSD publicada na edição desta quinta-feira.
Em entrevista ao JN, Rui Rio considerou que Lucília Gago já devia ter saído do cargo de procuradora-geral, uma vez que o Ministério Público “violou o princípio da separação de poderes ao criar uma crise no país, sem ter ainda a sua investigação em estado que o justificasse”, aludindo à operação Influencer, que levou à demissão do primeiro-ministro António Costa.
“Entendemos essas declarações como levianas e muito pouco adequadas a alguém que no passado teve, inclusive, a pretensão de ser o primeiro-ministro de Portugal”, acrescentou.
Quanto à acusação de Rui Rio de que a PGR “não tem noção do gravíssimo dano que provocou ao país”, Adão Carvalho refutou. “O início de um inquérito é competência do Ministério Público e nada tem a ver com qualquer desfecho político que possa ter acontecido ou venha a acontecer no futuro. As avaliações políticas são tomadas pelos políticos, cabe ao Ministério Público, se existe uma suspeita de crime, investigar. É isso que a Constituição lhe impõe”, afirmou.
“Se [o Ministério Público] instaura um processo com base na suspeita de um crime, está a fazer a obrigação que tem de cumprir, é uma imposição legal. Não tem qualquer outra alternativa se não iniciar a investigação”, esclareceu.
Ao JN, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) indica ainda que as críticas ao facto da procuradora geral adjunta Maria José Fernandes estar a ser alvo de um processo interno revelam “alguma ignorância”. “O que foi anunciado publicamente é que existirá um processo prévio, nem sequer é um processo disciplinar. E está a cargo do único órgão competente para o efeito que é o Conselho Superior do Ministério Público, que é um órgão colegial e do qual fazem parte membros eleitos pela Assembleia da República e membros eleitos pelo Ministério da Justiça. É um órgão independente que fará o seu trabalho e apreciará a conduta daquela magistrada como de qualquer outro magistrado que viole ou esteja em causa a violação dos seus deveres enquanto magistrado”, considerou. Recorde-se que este processo foi aberto depois de a magistrada ter criticado num artigo de opinião no Jornal “Público” o processo operação Influencer.
Orgão de supervisão "já existe"
Já quanto à “intenção de haver uma fiscalização por uma entidade autónoma e democrática sobre a atuação do MP”, salientada por Rui Rio na entrevista ao JN, Adão Carvalho observou que esse órgão “já existe”. “É o Conselho Superior do Ministério Público. É um órgão independente e que tem esses poderes, o poder classificativo e disciplinar sobre os magistrados do Ministério Público. Não vejo a necessidade de outro órgão que não este e que tem exercido as suas competências de forma totalmente independente”, afirmou.
Por fim, o dirigente notou que em vez de uma “reforma na justiça”, é importante resolver a “penúria” que existe no Ministério Público e nos tribunais. “A total falta de funcionários, há situações de grave crise e quase rutura por falta de oficiais de justiça. Há todo um conjunto de condições do edificado, de todos os meios que fazem falta ao sistema de justiça, que é claramente o parente pobre do Estado”, salientou.
“Mais importante do que pensar em reformas de justiça a todo o momento e, sobretudo, quando vem a propósito de um determinado processo concreto em que é visado alguém que, no fundo, tem alguma projeção pública, política ou económica, mais importante do que isso é resolver esses problemas de falta de meios. E se fossem resolvidos o sistema funcionaria de forma mais rápida e eficiente”, finalizou.
O JN questionou a PGR sobre se queria comentar as declarações do antigo líder do PSD, mas não obteve resposta em tempo útil.