O Estado português já gastou 720 milhões de euros com Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança (SIRESP) desde 2006 e, na sequência das falhas registadas durante o apagão de segunda-feira, o Governo vai reestruturá-lo.
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Desde o início que existem falhas na rede SIRESP, sobretudo na redundância, e os gastos estão longe de ser transparentes. Há equipamentos pagos acima do preço, conflitos de interesses e negócios que estão em investigação pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Durante a falha de energia registaram-se várias “quebras do SIRESP” e poderia haver “uma quebra total às 5 horas da manhã”, revelou Mário Silvestre, comandante nacional de emergência e proteção civil, na quarta-feira, em conferência de imprensa. A quebra total do SIRESP “era expectável”, acrescentou, mas “felizmente não aconteceu” porque a energia foi reposta antes.
Entretanto, depois de na terça-feira o primeiro-ministro ter lembrado que as falhas “não são novas”, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, veio um dia depois anunciar que o Governo vai mexer no SIRESP: “O Governo tem trabalhado no sentido de reestruturar o sistema”. O objetivo é “fazer uma análise relativamente à situação do sistema, no sentido de o por a funcionar de uma vez por todas”.
As falhas e o anúncio da reestruturação acontecem uma semana depois do Governo ter revertido a decisão de extinguir a SIRESP SA, que é a empresa pública que gere o sistema. A extinção da empresa ia acontecer até março, mas a realização de eleições levou o Governo a prorrogar a vida da empresa pública até ao final deste ano. A decisão custa 19,5 milhões de euros, transferidos como indemnização compensatória à SIRESP SA.
Os cerca de 20 milhões de euros são quase simbólicos quando se fazem as contas do que o SIRESP já custou ao Estado desde 2006. Ao todo, segundo as contas feitas pelo JN, já foram gastos 720 milhões de euros. Até 2021, de acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, o SIRESP custou 556 milhões de euros.
Contratos em tribunal
Ainda em 2021, foram transferidos mais 32 milhões de euros para funcionamento até ao final de 2022. No início de 2023 houve nova tranche de 26 milhões de euros. Nesse ano foi também lançado o concurso público adjudicado por 61 milhões de euros para funcionamento da rede até 2027. A isto somam-se os 19,5 milhões de euros da semana passada, mais os 25 milhões de euros em bens e serviços comprados para o SIRESP diretamente pelo Ministério da Administração Interna (MAI) desde 2006. Assim, o total cifra-se em 720 milhões de euros que o SIRESP já custou desde 2006.
Nem sempre estas verbas foram gastas de forma transparente. Tal como o JN revelou em janeiro deste ano, o MAI gastou, em 2023 e 2024, 13 milhões de euros em dois ajustes diretos para a compra de equipamentos à Motorola quando a maior parte desses bens já estavam previstos no concurso público de 2023.
Além de nunca se terem explicados os ajustes, compraram-se equipamentos por um valor mais alto do que o pedido, como por exemplo as consolas retransmissoras MSO que foram pagas a 80 mil euros a unidade, quando a Motorola tinha feito um orçamento, quatro meses antes da compra, de 43 mil euros.
Este e outros negócios, incluindo as suspeitas de favorecimento da Motorola e alegações de conflitos de interesses dos membros da SIRESP SA, estão a ser investigados pelo Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça.
Maior problema foi a falha nas comunicações
A falta de acesso às comunicações foi o principal problema apontado pelos portugueses em relação ao apagão, segundo um inquérito divulgado ontem pelo Portal da Queixa. Esta foi a maior dificuldade para 84% dos inquiridos, sendo que a falta de informação e apoio foi apontada por 58%.
A amostra de 3000 inquéritos online conclui ainda que, para 41%, o Governo e as entidades públicas não estiveram à altura. Apenas 19% aprovam a resposta das entidades.
A SIRESP SA está sem presidente desde março do ano passado, altura em que o brigadeiro-general Paulo Viegas Nunes saiu. Agora é chefe do gabinete do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. A empresa pública nasceu como parceria público-privada em 2006 e foi nacionalizada no ano de 2019.