De norte a sul do país, as equipas de combate a fogos florestais estão, por estes dias, reforçadas. Afinal, o risco de incêndio é o mais elevado dos últimos 42 anos. Por isso, as corporações de bombeiros estão a postos para atuar. E nos quartéis vivem-se dias intensos, como constatou o JN, em Aveiro, Leiria e em Nelas.
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O pátio do quartel dos Bombeiros Velhos de Aveiro é, por estes dias, palco de atividades que misturam o treino operacional e a vertente lúdica. Entre as 9 e as 11 horas, em alguns dos dias da semana, o comando prepara tarefas que mantenham ocupadas as equipas especiais que estão prontas, em permanência, para sair para o terreno em caso de incêndio florestal. É que, por um lado, espera-se que não haja fogos para combater. Mas, por outro, é necessário gerir o stress e a ansiedade do pessoal, numa semana em que os termómetros auguram que o risco de incêndio é iminente.
Durante o dia, são 22 as pessoas que estão em permanência no quartel, destinadas exclusivamente a atuar em caso de incêndio. À noite, são 24. As equipas foram reforçadas devido ao alerta vermelho que está em vigor, consequência da situação de contingência decretada pelo Governo. "São cinco equipas prontas, durante o dia, e seis, à noite, com prontidão imediata para poderem intervir. A outra alteração operacional, nestes dias, devido à situação de contingência, é a implementação de um posto de comando no quartel, também em permanência", conta Carlos Pires, comandante dos Bombeiros Velhos.
"Mais ansiedade"
Além dos elementos que estão no quartel, há equipas previamente nomeadas que podem ser chamadas, a qualquer momento, em caso de necessidade. E muitos dos restantes bombeiros - num total de 103 que integram a corporação - já transmitiram também qual a sua disponibilidade, caso seja preciso.
Está tudo a postos. Mas, para quem está no quartel em permanência, como é que o tempo passa? "Noto, perfeitamente, que existe mais ansiedade e mais preocupação. É necessário estar mais próximo e acompanhar, individualmente, cada pessoa. Além disso, promovemos algumas atividades que os ajudem a relaxar e a distrair", explica Carlos Pires. Desporto e "jogos" - que incluem, quase sempre, aspetos operacionais - entre as equipas, por exemplo, são soluções implementadas. "O descanso é fundamental, mas também o é evitar ao máximo os tempos parados. Tentamos, por isso, mantê-los ocupados e cultivar o espírito de equipa", sublinha o comandante.
O "cérebro"
No primeiro andar, numa sala equipada com vários ecrãs - um deles de grandes dimensões, interativo -, está situado o Centro de Apoio à Decisão. Funciona o ano todo, 24 horas por dia, mas, nesta altura, tem trabalho acrescido. É ali o "cérebro" de toda a operacionalidade dos Bombeiros Velhos. "Permite-nos controlar as ocorrências. Tudo o que é informação é acionado aqui. Temos a informação das equipas que estão no terreno, câmaras, comandos para abrir os portões, gestão de qualquer elemento que entra ou sai. Tudo", refere Carlos Pires.
Esta terça-feira, ao final da manhã, na zona de atuação dos Velhos estava tudo calmo. Das equipas do dispositivo especial, apenas uma se encontrava fora, no concelho vizinho de Albergaria-a-Velha, pré-posicionada para intervir, numa zona habitualmente crítica. É que o combate aos fogos florestais também se faz, e muito, de prevenção.
Temos todo o concelho com combustível e vegetação para arder
Vinte e cinco bombeiros voluntários da corporação de Nelas estão desde segunda-feira em prontidão para atacar possíveis incêndios florestais que possam ocorrer no concelho. O número de operacionais foi reforçado com a declaração do estado de contingência e numa altura em que o país está no nível vermelho no que aos fogos florestais diz respeito.
Os bombeiros estão em prontidão e preocupados com os incêndios. Não querem que a tragédia ocorrida em 2017 se repita. As altas temperaturas, os baixos níveis de humidade e o vento fazem temer o pior. "Para já, as coisas estão a correr bem e esperemos que assim continuem", afirma o comandante dos voluntários de Nelas, Guilherme Almeida. "Mas há aqui uma preocupação acrescida. Se numa outra altura do ano podemos ter um sucesso, e uma percentagem mais elevada, com um ataque inicial musculado num incêndio, nestes dias essa percentagem pode ser mais reduzida devido ao calor, ventos e humidades baixas", acrescenta.
Estes últimos dias têm sido calmos em Nelas e os voluntários têm saído mais para prestar apoio a outros distritos no combate às chamas. Apesar da acalmia, Guilherme Almeida está apreensivo com o que possa ocorrer daqui para frente.
"Temos aqui todo o concelho com combustível e vegetação para arder. Temos a parte que ardeu em 2017 e temos toda a outra parte que não ardeu em 2017 e é isso que nos preocupa", confessa, sublinhando que para além disso, Nelas é um concelho que tradicionalmente recebe fogos oriundos de municípios vizinhos.
A isto há que somar as "pequenas localidades isoladas" existentes no concelho e que "ficam rodeadas facilmente pelo fogo" e que podem vir a exigir mais atenção. "Não estamos livres que voltem a ocorrer incêndios como os de 2017 em termos de dimensão. Há situações em que se aprendeu e se melhorou, nomeadamente ao nível do planeamento, mas ainda há muito a fazer quanto ao cidadão, à cultura de segurança e prevenção e à questão das limpezas do mato", defende o também presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Viseu.
Apelo à população
Os 25 operacionais em prontidão em Nelas não estão parados à espera do fogo. Alguns saem do quartel para vigiar a floresta e tentar sensibilizar as pessoas para o risco de incêndio. Ainda na manhã desta terça-feira, um grupo de seis operacionais, uma mulher e cinco homens, saiu do quartel, às 10.horas, para fazer esse trabalho.
A negligência no uso do fogo e o trabalho nas matas com máquinas agrícolas são nesta altura as principais causas dos fogos no concelho.
"A utilização de maquinaria associada às limpezas é proibida agora, mas ainda não há essa sensibilidade das pessoas. Elas têm a ideia que até as 11.horas podem fazer porque não está muito calor", afirma Guilherme Almeida.
É para sensibilizar estas pessoas e alertá-las para os riscos associados a estas situações que os bombeiros saem do quartel.
Fogo posto
Em Nelas têm-se registado poucas ocorrências, mas há no concelho zonas em que o fogo surge frequentemente. É o caso da freguesia de Vilar Seco. Em três anos verificaram-se pelo menos 60 ignições, a última aconteceu no domingo.
As autoridades não têm dúvidas de que se trata de mão criminosa. Nesta freguesia há por isso mais vigilância por parte dos bombeiros e GNR.
"É uma pessoa que nos tem dado trabalho nos últimos anos. Temos tido sucesso no ataque inicial, avançamos com um ataque musculado, mas obviamente que pode vir a correr mal", alerta Guilherme Almeida.
Noite dormida a correr
O cenário e o estado de espírito repetem-se em Leiria, ou não fosse este o distrito, a que pertence Pedrógão Grande, o concelho onde há cinco anos, a 17 de junho de 2017, ocorreu o trágico incêndio, que teve como balanço oficial 66 mortos (65 civis e 1 bombeiro voluntário de Castanheira de Pera) e 254 feridos (241 civis, 12 bombeiros e 1 militar da Guarda Nacional Republicana), dos quais sete em estado grave (4 bombeiros, 2 civis e uma criança).
Os olhos de Faustino Fernandes, 50 anos, comandante dos Bombeiros Voluntários (BV) da Maceira, em Leiria, não escondem que a noite foi dormida a correr. "Vim ontem às duas horas da manhã do fogo de Alvaiázere, mas não estive lá muitas horas. Só 12", observa. Já na noite anterior, só foi à cama duas horas. Ossos do ofício de quem comanda corporações de bombeiros num distrito com uma vasta mancha florestal, onde o risco de incêndio dispara quando a temperatura é mais elevada, como hoje, dia de alerta vermelho.
Desde quinta-feira que a intensidade tem sido muito grande. Estivemos em todos os incêndios: em Ourém, em Pombal e em Alvaiázere.
O comandante dos BV da Maceira reconhece que o constante envolvimento dos 94 bombeiros em diferentes teatros de operações, no âmbito do combate aos incêndios florestais, "causa algum desgaste, que condiciona a recuperação da força e da capacidade de trabalho", mesmo rodando as equipas. "Desde quinta-feira que a intensidade tem sido muito grande. Estivemos em todos os incêndios: em Ourém, em Pombal e em Alvaiázere."
Por volta das 9 horas, é realizado o primeiro briefing, em que o comandante, ou alguém que o substitui na sua ausência, explica aos bombeiros qual o trabalho a executar ao longo do dia, que está sempre sujeito a alterações, em função das ocorrências. Depois do almoço, a reunião repete-se, para atualizar a informação. Porém, Faustino Ferreira esclarece que "se fosse só para dar ordens, afixava uma folha no placard". O momento é ainda aproveitado para ouvir os elementos da corporação reportarem problemas técnicos ou operacionais.
Apesar das entidades empregadoras poderem ser ressarcidas, às vezes, é difícil dispensaram os bombeiros
O aviso de alerta vermelho, que aponta para um risco de incêndio muito elevado, levou Faustino Fernandes a reforçar o efetivo e a concentrar as atenções nas zonas florestais. Ainda ontem, os voluntários que exercem outras atividades profissionais foram informados pela corporação, por SMS, das previsões meteorológicas, para que estejam a postos para a necessidade de se juntarem no combate às chamas.
A resposta obtida da parte desses elementos é fundamental para que o comandante saber com quem pode contar e a partir de que horas. "Tanto os funcionários públicos, como os que trabalham em empresas, têm de ser dispensados, como está previsto na lei", assegura o comandante dos BV da Maceira. "Mas, apesar das entidades empregadoras poderem ser ressarcidas, às vezes, é difícil dispensaram os bombeiros." Para dificultar as contas, há sempre homens doentes ou de férias longe.
Temos muito cuidado com os veículos, porque se não o risco de avaria sobe muito
Na manhã desta terça-fera, os bombeiros de serviço estiveram a lavar as viaturas envolvidas ontem no combate a incêndios florestais e outros a fazer a manutenção. "Temos muito cuidado com os veículos, porque se não o risco de avaria sobe muito", justifica Regina Ruivo, 44 anos, adjunto de comando.
Enquanto uns lavavam as viaturas que "andaram na guerra", como Regina Ruivo diz, outros elementos estavam a dormir nas camaratas, para recuperar do esforço despendido durante o combate às chamas. "Não lhes damos tarefas muito exigentes porque precisam de descansar e de hidratar", acrescenta.
"Os incêndios mudaram. Não têm nada a ver com os de há 20 anos. São muito mais violentos", observa o adjunto do comando dos VB da Maceira. "Alguns têm um crescimento tão rápido, que não temos capacidade para atuar com rapidez", lamenta.