Menos 868 mil consultas nos cuidados primários, mais atividade hospitalar, mas ainda assim insuficiente para satisfazer a procura. Em 2023, o SNS viu crescer as listas de espera para consulta e cirurgia, bem como para acesso à rede de cuidados continuados. O défice baixou, mas aumentaram os pagamentos em atraso.
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O relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP) sobre o desempenho do SNS no ano passado, publicado esta quarta-feira, evidencia muitas insuficiências num sistema cada vez mais pressionado e incapaz de responder às necessidades.
"Em 2023, a atividade hospitalar do SNS aumentou, mas de forma insuficiente para satisfazer a procura. Nos cuidados primários reduziu-se o número de consultas médicas", escrevem os relatores do CFP.
O documento indica que apesar do aumento do número de utentes, o volume total de consultas médicas nos cuidados primários do SNS diminuiu pelo segundo ano consecutivo.
"A diminuição da atividade assistencial realizada nos cuidados primários, concretamente uma redução de
2,5% (-868 mil) consultas médicas face a 2022, ficou a dever-se ao menor volume de consultas não presenciais (-6,3%), tendo-se registado um ligeiro aumento das consultas presenciais (+0,8%)", explica.
Face aos resultados, o CFP nota que o índice de utilização das consultas médicas apresentou valores inferiores a 2022, indicando uma redução da adequação do volume de consultas às necessidades dos
utentes.
"Desta forma, continuou a observar-se nos cuidados primários um desvio significativo entre a atividade realizada e a que seria necessária para a satisfazer as necessidades da população", assinala.
Na atividade hospitalar, as consultas médicas aumentaram 3,9% face a 2022 as cirurgias cresceram 7,7%. Ainda assim, sublinha o relatório, "não foi suficiente para evitar o aumento expressivo do número de utentes em lista de espera para a primeira consulta em 2023 (em 46% face ao ano anterior), bem como o número de utentes em “Lista de Inscritos para Cirurgia” (em 13%).
Também os serviços de urgência e de internamento continuaram a registar diversos constrangimentos.
"Nos episódios de urgência, o cumprimento dos tempos de triagem apenas aconteceu em 60% dos casos (61% em 2022)", refere o Conselho de Finanças Públicas.
No internamento, a taxa média de ocupação foi de 91%, superior à taxa de 86% registada em 2022 e a maior dos últimos 10 anos, salientando-se, no entanto, que a taxa de ocupação engloba situações bastante discrepantes nas várias regiões do país.
Menos camas de internamento em continuados
Na Rede Nacional Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), os resultados também deixam a desejar. "O maior número de utentes assistidos em 2023 não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados nesse ano".
Apesar de terem sido assistidos mais 1585 utentes face ao ano anterior, o número de utentes em lista de espera no final de 2023 era superior ao registado no ano precedente, situando-se em 1804.
Segundo o relatório, o aumento de 317 lugares na RNCCI em 2023 resulta do aumento das respostas domiciliárias, uma vez que as respostas que visam a institucionalização dos utentes diminuíram neste ano, existindo menos 17 camas de internamento face a 2022.
O CFP conclui, desta forma, que "o nível de atividade do SNS foi insuficiente para fazer face às necessidades (crescentes) da população".
No que diz respeito às necessidades de saúde não satisfeitas, o CFP lembra que Portugal, já no ano de 2019 (último ano com informação publicada pelo Eurostat), apresentara, de entre os países da União Europeia e Espaço Económico Europeu, o maior grau de “população com necessidades de cuidados de saúde que reportou necessidades de saúde não satisfeitas”. E a primeira causa de necessidades não satisfeitas eram então as listas de espera.
"A manutenção de necessidades não satisfeitas e os restantes indicadores apresentados no texto apontam para problemas de eficiência no SNS", acrescenta o relatório.
Menos défice, mais pagamentos em atraso
Num olhar às contas, o CFP refere que do ponto de vista orçamental o défice do SNS reduziu-se em 2023, mas os pagamentos em atraso aumentaram. E deixa fortes recomendações.
"Neste domínio, é urgente instituir a publicação regular das contas financeiras consolidadas do SNS, por forma a permitir uma avaliação transparente da sua posição financeira, da evolução dos seus passivos e não menos importante, do estado dos ativos e suas consequências sobre a provisão de bens e serviços públicos", refere a síntese não técnica do documento.