Pouco mais de 1% das águas residuais tratadas são aproveitadas em Portugal, um número "absolutamente incompreensível" para Rui Godinho, presidente da APDA- Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, que defende um maior aproveitamento deste recurso.
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"Não é possível que se continue a regar jardins, parques e ruas e a encher piscinas de forma completamente descontrolada com água potável", disse, ao JN, adiantando que, em Portugal, "há ETAR que foram dimensionadas para reutilizar percentagens de caudal muito superiores a 1%".
De acordo com o mais recente relatório publicado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), em 2020, apenas 30 entidades gestoras produziram águas residuais tratadas para reutilização, "correspondendo a 8,1 milhões de metros cúbicos, ou seja, a apenas cerca de 1,1 % da água residual tratada". A maior parte desta água foi utilizada para uso das próprias entidades gestoras "e apenas 12 % foi fornecida a outras entidades para ser reutilizada".
Mais recentemente, e sobretudo desde que o país tem vindo a sofrer mais secas, têm vindo a ser feitos alguns esforços para melhor aproveitar este recurso. Esta terça-feira, para assinalar o Dia Mundial da Água, a Câmara de Lisboa apresenta o projeto Água+, através do qual passa a regar o Parque Tejo Norte com água residual tratada na ETAR de Beirolas.
"Um grande passo para a eficiência hídrica da nossa cidade", sublinha a autarquia ao JN, adiantando que será abrangida uma área verde "na ordem de 295 mil m2", que pressupõe necessidades de rega anuais de "300 mil m3". A câmara quer também instalar sistemas inteligentes de rega.
Segundo o presidente da junta de freguesia do Parque das Nações, Carlos Ardisson, aquela área verde era, até agora, regada com "água de furos". A nova solução "faz todo o sentido e já se fala em criar, noutras zonas de Lisboa" um sistema semelhante para rega ou lavagem de ruas", acrescenta.
No Porto, adiantou a câmara, a expectativa é que "a breve prazo já seja possível colocar no terreno projetos piloto com a Porto Ambiente (no caso da lavagem das ruas) e com o próprio município (no caso da rega de espaços verdes)". O recurso à tecnologia MBR e desinfeção por radiação UV permitirá que a água tratada atinja a qualidade necessária para reutilização em rega e lavagem de ruas.
Para agricultura e golfe
Ao JN, a Águas de Portugal (AdP), que cobre cerca de 80% do território, adiantou que "a maioria das ETAR" do grupo estão "capacitadas para produzir água para reutilização", com destino a usos urbanos não potáveis. Dos exemplos apresentados constam "lavagens de ruas e veículos, rega de complexos desportivos e espaços verdes na região de Lisboa; suporte do ecossistema da Lagoa dos Salgados e rega de campos de golfe no Algarve e rega de espaços verdes e campos de golfe no Vidago".
O recurso também está a ser aproveitado para fins agrícolas, refere a AdP, que aponta o projeto piloto REUSE, instalado na ETAR de Beja para dar apoio a uma plantação de romãs, e a rega de vinha no Alentejo, através do projeto AQUA-VINI.
O grupo adianta, ainda, que está em curso "um investimento de 1,5 milhões de euros para produção de ApR [ água para reutilização] da ETAR de Vila Real de Santo António, destinada à rega dos campos de golfe existentes na zona norte do concelho de Castro Marim". Esta obra "vai permitir substituir a utilização anual de cerca de um milhão de metros cúbicos de água superficial por ApR, contribuindo assim para uma melhor gestão de recursos hídricos no Algarve, região que vem sendo cada vez mais impactada pela escassez de água". A capacidade instalada naquela ETAR permitirá depois outros usos.