Até abril de 2018, dois em cada três escolhiam sair, mas número baixou graças à melhoria do processo de integração. Um terço foi colocado em Lisboa.
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Fogem da guerra, de perseguições, de conflitos políticos ou desastres naturais e procuram começar uma vida nova em Portugal. Os refugiados estão cada vez mais adaptados ao nosso país e a percentagem de requerentes de asilo que fugiu para outros países da Europa baixou de forma significativa. No programa que terminou há três anos, 65% dos refugiados que chegaram a Portugal resolveram ir para outros países. Agora, são apenas 6%.
Portugal tem vindo a participar ativamente no esforço europeu de acolhimento de refugiados ao abrigo da proteção internacional, solidário com todos os projetos de apoio da Comissão Europeia. O primeiro desses programas foi o de recolocação, entre dezembro de 2015 e abril de 2018. Dos 1550 que chegaram, 1013 saíram para outros países da UE.
O Observatório das Migrações de 2020 aponta vários motivos para a elevada percentagem de fugas. Primeiro, Portugal "não tinha sido a primeira escolha aquando da transferência a partir dos países de trânsito (Grécia e Itália)". Depois, as três principais nacionalidades transferidas (Síria, Iraque e Eritreia) não possuíam comunidades em Portugal. Por fim, muitos dos que chegaram tinham familiares noutros países da Europa.
Maiores fugas
Os concelhos com maior taxa de movimentos secundários no programa de recolocação foram Coimbra, que perdeu 84,6% dos refugiados que recebeu, Guimarães 82,8% e Setúbal 81,4%. Dos 24 refugiados yazidi que chegaram a Guimarães em março de 2017, 23 saíram nas primeiras duas semanas. O único que ficou acabou por sair dois anos depois. Hoje, contudo, o cenário é diferente. O gabinete de Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, adiantou ao JN que "no quadro do programa voluntário de reinstalação em curso, os movimentos secundários têm sido pouco frequentes". Dos 409 refugiados que chegaram até dezembro de 2019 ao abrigo deste programa, apenas 25 (6%) foram embora.
Título de residência
A justificar esta quebra estão as missões de seleção realizadas antes da transferência dos refugiados. Ou seja, eles já escolhem Portugal antes de vir, a que se junta o facto do país ter agilizado o processo de emissão do título de residência para refugiado.
Dos 2674 refugiados que Portugal recebeu nos últimos quatro anos, 36% foram colocados no distrito de Lisboa. Seguem-se Braga e Porto (9%), Coimbra (8%), Castelo Branco (7%), Aveiro e Setúbal (6%), Leiria e Santarém (4%), Faro (3%), Évora e Vila Real (2%), e os restantes com menos de 1% de acolhimento. Nestes, incluem-se os 224 migrantes acolhidos por Portugal ao abrigo da recolocação ad hoc de barcos humanitários. A maioria chegou do Sudão, Somália e Eritreia. Cerca de 20% abandonaram o país.
Comprei bilhete para a Alemanha mas resolvi ficar aqui
Em 2017, quando tinha apenas 19 anos, Esmaeil Ajjan chegou a Portugal sem nada. Fugiu do serviço militar obrigatório da Síria através de bote pelo Mediterrâneo até à Grécia. Hoje, quatro anos depois, em Portugal, tem um contrato de trabalho, casa alugada, tirou a carta, comprou carro, fala bem português e é feliz. "Quero ficar em Guimarães agora, já não saio", afirma o jovem, com 23 anos.
Esmaeil deixou os pais e três irmãos na Síria. Tem ainda uma irmã na Turquia e um irmão na Alemanha. Aos 18 anos, fugiu do país onde nasceu para não ter de ir para a guerra. Teve medo de atravessar o Mediterrâneo. Estava frio, era de noite e o risco era grande, mas chegou ao campo de refugiados da Grécia onde esteve cerca de um ano até chegar a Guimarães. Mal chegou, deparou-se com a primeira dificuldade. "Não sabia falar a língua portuguesa, então fui comprar o bilhete de autocarro para a Alemanha", recorda.
A duas horas da partida que o ia levar definitivamente para fora de Portugal, quis ficar: "Comprei bilhete para a Alemanha, mas resolvi ficar aqui. Pensei em ter uma vida nova, aprender outra língua, trabalhar, ir para a escola, fazer amigos". Todos esses objetivos já foram concretizados. Aprendeu português na Escola Francisco de Holanda, trabalha no Intermarché de Caldas das Taipas, fez o exame de condução no Porto, alugou casa perto da vila onde trabalha, comprou um carro para se deslocar para o trabalho e já foi ver o irmão à Alemanha três vezes.
Não se pense, porém, que este percurso foi fácil. No regresso da última viagem à Alemanha, no início de 2020, a crise pandémica atingiu o Mundo e trocou-lhe as voltas: "Passei um tempo muito difícil. Já havia o coronavírus e não tinha trabalho, estive três meses sem trabalhar. O meu irmão ajudou-me muito com dinheiro que enviava todos os meses para mim. Depois, arranjei trabalho e já lhe devolvi tudo".
O espírito trabalhador de Esmaeil já vem da altura em que estava na Síria. Aos 16 anos, estudava e trabalhava como eletricista de camiões. Depois, teve de sair para fugir à guerra e nunca mais pôde regressar ao país que o viu nascer. "Tenho muitas saudades da minha família, há quase cinco anos que não os vejo, mas regressar à Síria é impossível", explica.
Naquele país, o serviço militar obrigatório de sete anos é cumprido a partir da maioridade, aos 18 anos. Com o país em guerra civil, são muitos os que não sobrevivem. "Tenho muitos amigos que morreram", lamenta Esmaeil. Nos primeiros 18 meses em Portugal, teve apoio do Estado. Agora é autónomo, tem título de residência e quer formar família. "Às vezes durmo pouco a pensar no que quero fazer a seguir. Quero fazer tudo rápido, mas às vezes não dá", diz, entre risos, feliz.
A saber
Proteção de 18 meses
Durante os primeiros 18 meses, os refugiados têm acesso à habitação, ao emprego, à escola e à aprendizagem da língua portuguesa. Atualmente, o Alto Comissariado para as Migrações acompanha 408 pessoas nesta situação.
Menores
Através do programa de recolocação voluntária de menores não acompanhados que se encontram na Grécia, já foram transferidos para Portugal 78 jovens. Portugal é o 4.º estado-membro que mais acolheu, a seguir à Alemanha, França e Finlândia.