António Ferreira era um miúdo de 14 anos, mas isso, em 1974, não representava o mesmo que hoje. Ainda para mais, o agora presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João andava no Liceu de D. Manuel II, depois Rodrigues de Freitas e, nos tempos de ebulição, rebatizado pelos alunos como "Liceu Amílcar Cabral": o epicentro da revolução estudantil no Porto.
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No dia 25, só teria aulas à tarde. "Creio que estudei um pouco, de manhã, e preparava-me para apanhar o comboio, como sempre, para ir para as aulas", recorda. Apanhava o comboio no apeadeiro de Ramalde, zona onde residia. "Eram umas marias-fumaças a vapor, muito velhas. Havia frequentemente uns tipos estrangeiros a filmar as máquinas", recorda. Como a a paragem de Ramalde ficava numa subida, explica, o comboio tinha de recuar até ao Viso, para a partir daí tomar balanço, rumo à Trindade.
António saía na Avenida da França e daí ia a pé para o liceu. Não nesse dia: "O meu pai chegou a casa para almoçar e disse que eu não ia às aulas, porque havia uma revolução".
No liceu, revolução foi coisa para durar. Já ali houvera manifestações antes do 25 de Abril, e as forças de esquerda rapidamente tomaram conta do pedaço. "Havia muitas reuniões gerais de alunos, e cheguei a ter aulas em autogestão", lembra António Ferreira, vincando que, nesse tempo, facilmente um professor malquisto era apelidado de fascista e saneado: "Barricavam-se as portas das salas, com as velhas carteiras de peça única". Era, também, tempo dos conflitos entre escolas, particularmente entre os esquerdistas do Rodrigues de Freitas e os direitistas do Garcia de Orta.
Por essa altura, António começou a criar algum tipo de consciência política. Mas realça, sobretudo, o sonho: "Eram momentos de ilusão, de acharmos que"iríamos ser todos iguais e que se construiria um mundo novo".