Com Christine Lagarde a alertar que o processo inflacionista está a tornar-se mais persistente e a defender a manutenção da política de aumento das taxas de juro, os recados e as críticas para uma contenção não demoraram a chegar de vários quadrantes, incluindo do presidente da República e do primeiro-ministro.
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Os juros vão continuar a subir?
Sim. No Fórum do Banco Central Europeu, em Sintra, Christine Lagarde avisou que as taxas de juro altas serão persistentes no futuro, realçando que está enganado quem está à espera de um regresso rápido dos juros para níveis mais próximos do passado. Entre as razões para a inflação continuar elevada, está o facto de os salários reais terem aumentado num cenário de menor produtividade, bem como a resistência das empresas para reduzirem as suas margens de lucros. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, estima que as taxas de juro continuarão a subir este ano até novembro, perspetivando uma descida no final deste ano e em 2024. A presidente do BCE alertou, ainda, que os governos têm de recuar na atribuição de apoios às famílias.
Por que motivo o BCE não quer que os salários aumentem?
Segundo o BCE, o crescimento dos salários pode agravar a inflação, originando uma espiral inflacionista. Na prática, sobem os custos das empresas, o que provoca um aumento dos preços dos produtos. Christine Lagarde considera que o principal problema, agora, é mesmo o aumento dos salários. No entanto, as projeções do BCE indicam que as remunerações vão crescer mais 14% até ao final de 2025, recuperando, plenamente, o nível anterior à pandemia de covid-19. Centeno não vai tão longe, mas concorda que os salários subirão até dezembro. Ora, o líder do PSD não só contrariou esta posição de Christine Lagarde, como considerou que, em Portugal, é “absolutamente urgente” aumentar os salários tanto na Administração Pública como no setor privado.
É verdade que BCE abrandou o aperto monetário?
O Banco Central Europeu decidiu abrandar, no início do mês, o aperto monetário, subindo as taxas de juro em apenas 0,25%. Um aumento inferior face ao registado em reuniões anteriores, com subidas das taxas de juro em 0,50 pontos base. No entanto, à data, o BCE alertou que as decisões sobre o futuro dependeriam dos dados financeiros. O objetivo é manter a inflação em 2% no médio prazo. Portugal tem atualmente uma inflação de 4%.
Já existe algum país na Zona Euro com inflação a 2%?
Sim, Espanha foi a primeira grande economia da Zona Euro a alcançar a meta do BCE. Nesse país, a inflação recuou para 1,9% em junho, comparando com o mesmo mês do ano passado. É a mais baixa de sempre, desde abril de 2021. No entanto, para este resultado, não conta a inflação subjacente, que exclui os produtos alimentares não transformados e energéticos, e que continua em alta, tendo atingido 5,9%. O objetivo de Christine Lagarde é manter a inflação em 2% no médio prazo. Para conseguir atingir esta meta, o BCE tem de avaliar quanto é que as famílias e as empresas pretendem consumir e investir. Caso seja necessário encorajar o consumo e o investimento para que a inflação aumente, o BCE tenderá a descer as taxas de juro. Se for necessário reduzir a inflação, o BCE decreta subidas, como aquelas que temos assistido nos últimos tempos.
O presidente da República concorda com a política do BCE?
O presidente da República garante que respeita as decisões do BCE, mas pede "grande ponderação" no discurso dos bancos centrais sobre as taxas de juro para evitar "perturbações" na vida da população. "É preciso uma grande ponderação naquilo que se diz sobre juros. Vemos países, como os Estados Unidos da América, inverterem a política e não aumentarem o juro. Vemos outros bancos centrais entenderem o contrário. Mas não vale a pena, neste momento, criar mais preocupações, perturbações naquilo que é a vida já difícil de muitos europeus e de vários portugueses", reforçou o chefe de Estado. "A subida dos juros significa multiplicar por dois ou por três, em espaço de tempo recorde, a prestação na habitação. Ou então, lutar pela casa e contrair novo crédito para o consumo para equilibrar aquilo que se mantém no pagamento da prestação para a casa própria", frisa.
O Governo critica as políticas de Christine Lagarde?
O ministro das Finanças foi, na última quarta-feira, mais cauteloso, sublinhando que já transmitiu, a Christine Lagarde, a sua "visão" sobre a situação financeira da Europa e do país "e o conjunto central de preocupações significativas dadas as estruturas que temos no crédito à habitação", disse, escusando-se a comentar o discurso feito pela responsável do BCE, em Sintra. No entanto, no dia seguinte, António Costa foi bem mais duro com a política de subida de juros do BCE.
O primeiro-ministro critica a falta de compreensão do BCE sobre a natureza da inflação. "O BCE é soberano na definição da política monetária. Acho que não tem havido a suficiente compreensão por parte do BCE da natureza específica do ciclo inflacionista que temos estado a viver e também não tem em devida conta os setores que têm alimentado esta tensão inflacionista", sublinhou, certo de que o aumento dos lucros extraordinários estão a contribuir mais para a inflação do que as subidas dos salários. "Não compreender a natureza específica deste ciclo inflacionista limita muito a capacidade de enfrentá-lo, porque, senão acertamos bem no diagnóstico, a terapia rapidamente acerta", frisou.
Quanto à eliminação dos apoios às famílias dados pelos governos, que Lagarde também condena, a ministra da Presidência garante que o Executivo português manterá uma linha de "equilíbrio" e não deixará de prestar esse auxílio às famílias. "Cabe a este Governo, tendo em conta o contexto económico e social, tomar as medidas que considera necessárias", argumenta Mariana Vieira da Silva. "Por isso, em 2022, tivemos medidas de valor significativo - 5,7 mil milhões de euros, cerca de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) - para responder a uma situação de crise. Aquilo que posso garantir é que não deixaremos de ter medidas quando considerarmos que elas são necessárias, porque há um equilíbrio que é sempre preciso garantir. Com o aumento do custo de vida, as pessoas precisam de ter condições para viver".
E o que diz a Oposição?
A Oposição critica, em uníssono, a política de subida da taxa de juros do BCE. O líder do PSD considera urgente aumentar os salários em Portugal e não vê essa subida como impulsionadora da inflação. "Queria registar a nossa divergência para com a posição do BCE, em particular da senhora Lagarde, no que concerne à valorização dos salários em Portugal. Não acompanhamos [a ideia de] que o combate à inflação pode estar em causa pela valorização dos salários".
Para Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, Portugal está mais exposto a subidas de taxas de juro, porque tem um “equilíbrio frágil” das contas. E a capacidade do país de influenciar a política de taxas do BCE é, "para o bem e para o mal", relativamente "reduzida".
O Chega considera, também, que esta não é a melhor estratégia para combater o problema da inflação. André Ventura defende que o problema não será resolvido com estes juros altíssimos, que estão a sufocar as famílias e as empresas.
Mais dura com Christine Lagarde foi Mariana Mortágua, acusando-a de não conhecer “outra coisa na vida a não ser privilégio”. A líder do BE desafiou, ainda, o Governo a obrigar os bancos a suportarem parte do aumento das prestações. "Desafiamos o Governo a transferir para os bancos e a obrigar os bancos a suportarem uma parte do custo do aumento das prestações ao crédito e a limitarem as rendas, para que o salário em Portugal possa pagar uma renda e uma prestação ao banco", propõe, rejeitando "as determinações do BCE e a arrogância da presidente do BCE".