Em 2023, as nove Comunidades Intermunicipais integralmente no Interior do país tinham quase 1,29 milhões de habitantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). Em 2011, tinham 1,42 milhões. São menos quase 130 mil pessoas que há 13 anos.
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Inverter a tendência não vai ser fácil, mas a investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Lívia Madureira, entende que “os políticos precisam de correr riscos, facilitar a vida às pessoas, libertá-las de tanta burocracia e criar condições para que desejem viver no Interior”.
A migração para os maiores centros urbanos do país é uma das causas do despovoamento de uma extensa faixa do continente, que vai de Trás-os-Montes ao Algarve, a que se soma a emigração e um número de óbitos superior ao dos nascimentos.
Realidades diversas
Lívia Madureira, diretora do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD) da UTAD, em Vila Real, avisa, porém, que “o Interior não é homogéneo”, já que existe “uma faixa mais interior e uma faixa mais intermédia colada ao Litoral”, como por exemplo o Tâmega e Sousa, “região que tinha vitalidade demográfica há 10 ou 20 anos e que, atualmente, também já está a envelhecer”.
No caso da primeira faixa, há um “um envelhecimento delegado”, ou seja, “já vem de trás e não se está a acentuar”. A perda de população tem mais a ver com o “saldo natural, devido ao facto de morrer mais gente do que aquela que nasce”. Relativamente à segunda faixa, Lívia Madureira nota que o cenário é “mais preocupante”, mas “ainda pode ser revertido” através de “políticas públicas” para “aumentar a taxa de natalidade e compensar os saldos migratórios”.
Há vários concelhos onde a tendência tem estado a ser invertida, em grande medida devido à chegada de muitos imigrantes. “A imigração tem feito alguma diferença”, nota a investigadora, mas “é uma coisa recente, nomeadamente desde 2021”, já que “o saldo natural tem sido sempre negativo”. Em 2024, segundo o INE, era de “menos 33.732 pessoas em Portugal”, com todas as regiões a ficarem com menos habitantes, exceto a Grande Lisboa que em 2023 e 2024 já teve saldo positivo.
Melhorar as condições
A diretora do CETRAD avisa que não vale a pena ter ilusões sobre a inversão da tendência de envelhecimento do Interior, que é um problema do sul e do leste da Europa. “Temos de mudar a narrativa e abandonar essa ideia de que vamos repovoar o Interior. Se calhar, nem há necessidade disso, o que não quer dizer que não se deva incentivar a natalidade e fazer reformas estruturais no país”.
É aqui que as políticas públicas podem fazer a diferença, nomeadamente através da criação de “melhores condições de vida”. Lívia Madureira admite que “os municípios do Interior não se organizaram, embora ainda o possam fazer, para atrair mais população”. E “neste contexto de grande pressão imigratória até conseguiriam fazê-lo”. Mas “é preciso que as pessoas possam ter acesso a uma casa, emprego, serviços e condições de comodidade”. E se os território tiverem vitalidade e gente “é mais fácil atrair outras pessoas”.
Na sua opinião, os subsídios que algumas autarquias dão a jovens casais para se manterem e para terem filhos “são medidas simbólicas com impacto muito reduzido”. E, com as novas gerações, é preciso pensar de forma diferente, porque, em geral, “não se querem fixar”. Enquanto em gerações anteriores “as pessoas ficavam num sítio a vida toda, atualmente não é assim”.
Lívia Madureira acentua que “as atuais condições de mobilidade, mesmo internacional, não são compatíveis com essa ideia de querer fixar pessoas”.
Maior perda nas Beiras e Serra da Estrela
A perda populacional mais elevada em Portugal, entre 2011 e 2023, foi registada na Comunidade Intermunicipal (CIM) Beiras e Serra da Estrela, com menos 26.964 residentes entre 2011 e 2023. Segue-se a do Douro (-19.908), Alto Alentejo (-14.755), Alentejo Central (-13.084), Viseu Dão Lafões (-13.025), Baixo Alentejo (-11.436), Alto Tâmega (-9896), Terras de Trás-os-Montes (-9953) e Beira Baixa (-7440).
Apesar disso, há concelhos onde a população tem vindo a aumentar, embora de forma muito ligeira, facto a que não é alheio o incremento da imigração, estrangeiros que vêm para Portugal, que se verifica de forma mais acentuada desde a pandemia de covid-19.
Vila Real é um caso paradigmático. Nos Censos de 2011, registava cerca de 52 mil habitantes. A população foi diminuindo progressivamente até aos 49.600 em 2021 e, depois, voltou a subir até voltar a ficar perto dos 50 mil em 2023.
Em 2021, Viseu estava quase a baixar da fasquia de 100 mil pessoas, mas, até 2023, disparou para mais quase 1800 habitantes. Bragança, Sernancelhe, Vimioso, Sátão, Fundão, Évora e Beja são outros exemplos, entre muitos outros, de concelhos que, segundo os dados do INE, registaram subidas de população, embora muitas vezes contabilizados em centenas ou mesmo dezenas.
No sentido inverso, muitos mais concelhos, sobretudo de pequena dimensão, continuam a perder moradores de ano para ano. Veja-se o caso de Barrancos no Alentejo, que só já contava, em 2023, com 1430 moradores, ou mesmo Alcoutim, no interior algarvio, com 2413.
Túnel do Marão e A4 deram centralidade a Vila Real
A diretora do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento da UTAD, Lívia Madureira, diz que há uma intenção de estudar o caso de Vila Real no contexto de despovoamento do Interior. “Uma cidade interessante porque se tornou relativamente central em termos de localização, graças ao Túnel do Marão e à autoestrada A4”. E isto porque muitas pessoas trabalham lá, mas residem noutras localidades e só ficam no concelho durante alguns dias da semana. “Médicos, professores, estudantes, funcionários públicos, etc.. Ainda não temos dados, mas a realidade é muito mais transversal à sociedade do que parece. É um novo padrão”.
O presidente da Câmara de Vila Real, Rui Santos, adianta que a perceção atual é a de que “a população no concelho está a crescer e muito”. Olha para a comparação entre os anos letivos 2013/2014 e 2024/2025 e destaca o facto de “a UTAD ter mais dois mil estudantes, que não são contabilizados como residentes no concelho, mas vivem nele”. Soma os “2500 imigrantes em situação legal, número que cresce a cada ano que passa”.
Sublinhando que “Vila Real serve uma população muito superior aos quase 50 mil determinados pelos Censos de 2021”, o autarca vila-realenses ainda realça o impacto económico. “Todos os apartamentos que são construídos são vendidos ainda em planta, o mesmo acontece com todas as reabilitações urbanas mal se inicia o processo”. A Câmara está a construir 180 apartamentos e a reabilitar 20 casas, e “a procura é imensa”.
Rui Santos nota, ainda, que, “entre 2013 e 2024, o número de empregados inscritos na Segurança Social subiu de 13 mil para 20 mil (46%)”. Lamenta é que, apesar de o concelho que dirige estar “relativamente bem, o resto à volta não está”. “Quanto melhor estivessem os outros concelhos, melhor estaríamos também”.