O número de suicídios nos lares aumentou e a falta de visitas de familiares poderá estar na origem desta subida. Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade admite que há vários casos "dramáticos".
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"Houve várias situações dramáticas de suicídios neste período de confinamento, que infelizmente foi muito penalizante para alguns idosos. A falta de visitas tornou as pessoas mais sensíveis", confirma ao JN Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS). A Direção-Geral da Saúde (DGS) anunciou na segunda-feira que as visitas aos lares serão retomadas na próxima segunda-feira.
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Quando a pandemia chegou a Portugal, uma das primeiras medidas tomadas foi a proibição de visitas a lares, a 16 de março, acentuando-se a solidão que já habitualmente é sentida por muitos utentes destas instituições. Na madrugada de segunda-feira, uma idosa de um lar de Lisboa suicidou-se. Tinha 85 anos e saltou do segundo andar da Confraria de São Vicente de Paulo, em Carnide. Segundo apurou o JN junto de fontes policiais, a mulher, que deixou cartas para familiares, andava agitada e sentia-se mais sozinha por não receber visitas. A instituição não quis comentar.
Lino Maia não quer avançar o número de suicídios que já ocorreram nos últimos dois meses, mas garante que "há algumas situações preocupantes". "Vão-me dando essas notícias. As pessoas que estão nos lares são mais frágeis, vão sentindo mais saudade e uma sensação de abandono, o que agrava os problemas mentais. As pessoas desesperam e tomam decisões extremas", diz Lino Maia. Não tem respostas certas, mas conhece as tormentas dos mais velhos. "Nunca sabemos o que leva uma pessoa ao suicídio, mas o grande drama dos idosos é estarem isolados", assegura.
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Ao contrário de Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (entrevista abaixo), o presidente da CNIS defende que as visitas aos lares já deveriam ter sido retomadas. "É importante agendarmos as visitas com equipamentos de proteção individual, para utentes e funcionários, um espaço só para visitas, e com testes", diz.
Degradação mental
Dotar os lares de recursos tecnológicos, de psicólogos, e outros "recursos fundamentais" para que os idosos se sintam menos sozinhos deveria ser "uma prioridade", considera João Miguel Santos, psicólogo clínico. "Seria uma forma de minorar o risco deste tipo de situações. A falta de contacto humano nestas populações mais carenciadas tem um impacto grande. Há uma degradação profunda do estado mental", garante. "Existe ainda um grande desfasamento entre lares, alguns têm terapeutas ocupacionais ou psicólogos e outros não têm nada", alerta.
Achatar pandemia aumenta curva da morte psicológica
Segundo um trabalho de duas investigadoras do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Ana Henriques e Isabel Dias, isolar fisicamente os idosos "irá reduzir a transmissão do vírus e "achatar" a curva epidemiológica da pandemia", mas poderá iniciar uma outra curva, "a da morbilidade psicológica associada à covid-19".
Entrevista
Reabertura tem de ser feita muito devagar
O período de confinamento aumentou o sentimento de solidão dos idosos?
Quem está habituado a ter o seu filho ou a filha todos os dias claro que se sente mais só. Nas pequenas comunidades, porém, os utentes têm laços muito fortes com os funcionários e não sente tanto isso. Em Portugal não há nenhum caso de um idoso que tenha fugido dos lares, como aconteceu noutros países, por exemplo.
Qual o motivo dos suicídios?
Há muitas pessoas com demências nos lares e é muito difícil perceber o que está por detrás disso. Há muita solidão também. Nas Misericórdias temos tentado combater a solidão através das novas tecnologias e pondo todos os idosos a falarem com os familiares, e tem corrido bem.
Defende que as visitas aos lares já deviam ter sido retomadas?
Não, de forma nenhuma, porque um novo surto seria muito preocupante. Estamos muito preocupados com o problema e estamos a estudar a reabertura, mas temos de o fazer muito devagar, com todas as cautelas. Temos 35 mil pessoas nos nossos lares e morreram 123, é um resultado fantástico. Não podemos de repente abrir a porta à covid-19.