TAP pagou "indevidamente" serviços em benefício de Neeleman e Atlantic Gateway
A comissão de inquérito vai comunicar ao Ministério Público que a TAP pagou "indevidamente" serviços em benefício de David Neeleman e Atlantic Gateway, antes da privatização, num valor superior aos 10 milhões de euros pagos na compra da transportadora.
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Este novo dado consta do relatório final da comissão de inquérito à TAP e faz parte das 48 alterações acolhidas pela relatora, a socialista Ana Paula Bernardo, sendo uma das informações que, por proposta do PCP, vão ser remetidas ao Ministério Público. "A TAP SA e a TAP SGPS apenas enviaram a totalidade da documentação solicitada pela CPI no dia 10 de julho, sobre a faturação existente relativa a serviços indevidamente pagos pela TAP, mas realizados em benefício dos negócios de David Neeleman e da empresa Atlantic Gateway", pode ler-se na versão final do relatório.
É ainda acrescentado que "o conjunto de documentação enviada evidencia múltiplas despesas realizadas antes do dia 12 de novembro de 2015", data da concretização da privatização, situando-se estes pagamentos "em valores superiores ao valor de 10 milhões de euros pagos pela Atlantic Gateway pela compra da TAP".
Segundo o documento, a que a agência Lusa teve acesso e que será votado na quinta-feira na comissão de inquérito, "estes pagamentos delapidaram a empresa e representam um conjunto de práticas inadmissíveis". "A Comissão encontrou fortes indícios, na documentação enviada pela TAP SA e TAP SGPS, de que um conjunto de pagamentos de despesas da DGN com a compra da TAP foram pagas pela própria TAP. Assim, a CPI envia esses indícios, constantes do acervo, para o Ministério Público para que a situação possa ser devidamente investigada", sugere.
Entre estes indícios, indicados pelo PCP, estão "o pagamento de 15 milhões de euros realizado à consultora Seabury por serviços prestados em 2015 e 2016, tratando-se da consultora que assessorou David Neeleman na compra da TAP" e ainda um contrato assinado então por Fernando Pinto e aquela consultora "dois dias depois da assinatura do Acordo de Venda Direta, para a prestação de serviços de consultoria intitulado 'Project Gateway', prestados ainda antes da assinatura do Acordo de Conclusão".
Adicionalmente a comissão de inquérito encontrou evidências, que também remete para o Ministério Público, de que entre 2017 e 2019 um conjunto de administradores "tinham os seus salários pagos através de uma prestação de serviços paga à Atlantic Gateway em vez de receberem os mesmos através da TAP, fazendo com que a TAP fugisse ao pagamento da taxa de 23% para a Segurança Social, e que os mesmos fugissem ao pagamento da taxa de 11% para a Segurança Social".
O relatório disponibiliza ao Ministério Público o "amplo acervo documental" sobre os chamados Fundos Airbus, sobre os quais decorre um inquérito. "Existem depoimentos nesta CPI que indiciam que alegadamente terá havido uso impróprio de viaturas de serviço por parte de alguns administradores da TAP. Tal facto poderá ser gerador de responsabilidades a apurar em sede própria", acrescenta.
Recomendação de auditoria da IGF entre as 48 alterações acolhidas no relatório final
A relatora da comissão de inquérito à TAP acolheu total ou parcialmente 48 propostas de alteração ao relatório, de um total de 126, incluindo uma recomendação dos comunistas para uma auditoria urgente da IGF à companhia aérea.
Segundo a versão final distribuída hoje aos deputados, e à qual a agência Lusa teve acesso, e que é votada na quinta-feira, a deputada socialista e relatora da comissão de inquérito, Ana Paula Bernardo, acolheu cerca de 40% das propostas de alteração entregues por PS, Chega, PCP e BE, uma vez que PSD e IL decidiram não apresentar.
Apesar da aceitação destas mudanças, o relatório mantém, essencialmente, a sua linha inicial.
Das 59 propostas apresentadas pelo PCP - foi o partido que mais apresentou e que mais propostas viu aprovadas -, 18 foram aceites na totalidade e 12 parcialmente.
Uma das recomendações dos comunistas que agora consta do relatório sugere ao Governo que "realize com caráter de urgência uma inspeção e auditoria, através da IGF, às contas da TAP SGPS e TAP SA".
O objetivo do PCP é que se apure "cabalmente todos os pagamentos e contratos relacionados com os negócios de compra e atividade da TAP ME Brasil; os pagamentos feitos pelo Grupo TAP à Airbus; às empresas de David Neeleman e ao próprio; à Atlantic Gateway; ao Grupo Barraqueiro e a Fernando Pinto; O valor e os motivos de todos os contratos de consultoria pagos pela TAP (solicitados ou não) desde 2005".
Os comunistas recomendam ainda ao executivo socialista "que no quadro das suas relações bilaterais e da sua participação nas estruturas da União Europeia, atue para que seja lançada uma investigação ao papel da Airbus no processo de privatização da TAP em 2015".
Já o BE viu, de um total de 28, cinco propostas totalmente aceites e ainda outra de forma parcial, conseguindo incluir no relatório que "ao longo do processo, foram apresentadas versões diferentes, por parte de vários depoentes, 30 das razões e motivos que baseiam a saída de Alexandra Reis".
Os bloquistas fizeram ainda constar do documento final uma adenda segundo a qual "mesmo com a reconfiguração acionista, o processo entre 2015 e 2020 não resultou numa alteração substancial dos capitais".
Com 33 alterações apresentadas, o Chega conseguiu ver acolhidas seis - três parcialmente e três na íntegra -, entre as quais uma citação da audição do ex-CFO João Gameiro e uma adenda a uma conclusão que já existia na versão preliminar sobre o "uso impróprio de viaturas de serviço por parte de alguns administradores da TAP", ao qual acrescentou: "nomeadamente, pela alegação de que em determinado momento, a ex CEO da TAP poderia ter colocado à disposição da sua família, um carro e motorista da empresa".
Sem surpresas, o PS viu acolhidas todas as seis alterações que propôs à versão preliminar redigida pela deputada do seu partido.
Assim, passa a recomendar-se que os gestores públicos tenham que comunicar à entidade onde iniciam funções as indemnizações que receberam em cargos anteriores ao abrigo do estatuto do gestor público.
Já no primeiro capítulo do relatório pode ler-se que não é explicito "de quem é a responsabilidade última por garantir que se encontram celebrados os contratos de gestão" já que "não existe um mecanismo de fiscalização que garanta a efetividade da lei, nomeadamente, para o cumprimento do prazo legal".