Os operadores de barcos turísticos que exploram as vias fluviais, como os cruzeiros e os navios-hotel do rio Douro, podem ter de pagar uma taxa aos municípios ribeirinhos. Essa cobrança é reivindicada pelos autarcas, em particular dos territórios banhados pelo Douro, e tem a concordância do Governo.
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As empresas remetem-se ao silêncio. Já a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) concorda com a medida, embora defenda a consignação da receita a uma entidade regional e não aos municípios.
Carlos Miguel, secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, reconhece a legitimidade da reivindicação dos autarcas e admite taxar os operadores, no âmbito da descentralização de competências no domínio do transporte em vias navegáveis interiores. "Esta descentralização de competências, sendo trabalhada, nomeadamente com a APA [Agência Portuguesa do Ambiente], pode, deve e merece dar receita aos municípios. Isto é, se há um canal navegável e se há empresas que o exploram e, por sua vez, há as despesas dos municípios com a limpeza das margens terá de haver uma taxação feita a essas mesmas empresas", sustentou Carlos Miguel ao JN.
Nada recebem com tráfego
Estuda-se, então, a aplicação de uma taxa de um ou dois euros por cada passageiro que usufrua turisticamente da via navegável. Atualmente, argumentam os autarcas do Douro, no final de cada viagem, os passageiros dos cruzeiros e dos navios-hotel nada deixam nos concelhos por onde navegam, a não ser a pegada turística.
A matéria foi discutida, recentemente, na Associação Nacional de Municípios Portugueses. A iniciativa partiu de Manuel Cordeiro, presidente da Câmara de São João da Pesqueira. O autarca crê que a cobrança de uma taxa não afastará os turistas nem prejudicará os ganhos das empresas. "Quem trata da paisagem que é visitada não é ressarcido", ao contrário "do que acontece com a APDL e a EDP que recebem pelo tráfego fluvial e nós nada recebemos", afirma, apontando para o "aumento brutal da circulação" de embarcações, que, apesar de ser bem-vindo, "traz muito pouco ao território".
Quatro navios novos na Lixa
"Mais do que uma taxa turística", considera o presidente da Câmara de Baião, "esta deve ser entendida como uma taxa ambiental", cuja receita seria dividida pelos municípios "para a implementação de projetos ambientais de mitigação dos impactos decorrentes do turismo fluvial". Paulo Pereira adverte que a circulação crescente de barcos provoca a erosão das margens e aumenta a produção de lixo, depositado nos ancoradouros.
Para que os concelhos não fiquem a ver navios, o autarca defende um maior diálogo entre operadores e câmaras na definição de "rotas", assentes numa programação dos diversos ativos turísticos e não apenas no Douro Vinhateiro.
Também Marco Martins, presidente da Câmara de Gondomar, vê a taxação com bons olhos, porém "tem de ser estudada". Há, no entanto, boas notícias para o concelho. Com a entrada em funcionamento do Cais da Lixa, junto à Barragem de Crestuma/Lever, Gondomar terá quatro navios ali sediados, com partidas e chegadas nas subidas e descidas do rio. "Desta forma, passará a ter um serviço comercial com retorno financeiro e mais-valias que, no mínimo, atingirão os 2,6 milhões de euros", explica o autarca socialista.
Dos operadores turísticos há apenas silêncio. Nenhuma das empresas contactadas respondeu ao JN.
Navegabilidade taxada? Só se for Estado a criar
A ANMP estudou três cenários. Se a vontade for taxar os operadores turísticos que navegam nos rios, então essa taxa de navegabilidade terá de ser criada pelo Estado, revertendo para as câmaras. Nessa análise, a associação refere que poderá equacionar-se uma proposta ao Governo nesse sentido. Outro caminho é, no âmbito da descentralização, regulamentar a atividade e instituir uma taxa pela "ocupação do domínio público resultante da atracagem e tomada e largada de passageiros". Por lei, as câmaras também podem criar taxas, mas dificilmente vingaria.
Navios do Douro não são boias de salvação para o comércio
Se a pena de Carlos Tê faz a "escarpa brotar vinho", pela voz de Rui Veloso em Sayago Blues, os milhares de turistas que navegam "rio abaixo e rio acima", no Douro, "só fazem crescer os dividendos de quem os transporta". Os poucos comerciantes que estão de portas abertas junto ao rio falam em falácia quando se referem a proveitos retirados pelo aumento de turismo fluvial. Tal como os autarcas, estes comerciantes queixam-se que pouco ou nada recebem pela passagem massiva de turistas no rio.
O Douro Elegance, um barco-hotel de primeira classe, acabara de atracar no cais de Entre-os-Rios. Os turistas saíram, ordenados, em direção ao autocarro para os levar para a Quinta da Aveleda, cerca de 16 quilómetros acima, na cidade de Penafiel. Também houve quem ficasse no navio, mas dali não consta que tivessem saído, nem que fosse para tomarem um café na esplanada de Rui Branco. "Quem costuma vir aqui são as tripulações, já noite dentro, aí pelas 11 horas. Comem uns preguinhos e bebem umas cervejas. Os turistas, não", garante o concessionário da esplanada do Cais.
Ganhamos poluição
Do outro lado do rio Tâmega (o Cais de Entre-os-Rios situa-se na foz do Tâmega), já no Marco de Canaveses, o dono do restaurante Ponte de Pedra tem as portas abertas vai agora fazer 20 anos, mas diz que "mal estaria se dependesse dos turistas dos navios". O que ganhamos é poluição. Durante a noite, o barulho dos geradores é muito perturbador", denúncia Antero Sequeira.
A alguns quilómetros a jusante, em Bitetos, ainda no Marco de Canaveses, Diogo Alves, no Cais B, tem a vitrina carregada de garrafas de vinho, de todas as zonas vinícolas do país, com natural predominância, claro está, para o Douro. "Agora vende-se pouco", revela. Ali, em Bitetos, a culpa até nem pode ser assacada aos turistas dos navios, porque "este ano eles só passam ao largo, por causa das obras no cais", que a Câmara do Marco está a realizar "num projeto ambicioso" para tornar a principal porta de entrada no concelho pela via fluvial.
"Noutros anos, o cais estava sempre com pelo menos um navio-hotel atracado, mas turistas só saíam para o autocarro que os levava para o almoço no Convento de Alpendorada e depois voltavam para o navio e iam-se embora", atalha António Palhiço, morador na localidade.
O comércio ribeirinho, como se percebe, vive apenas da restauração. A espaços vão sendo tentados outros negócios, mas morrem à nascença.