O Governo prevê arrecadar, em 2023, 36 milhões de euros com as contribuições extraordinárias sobre a indústria farmacêutica e dos dispositivos médicos. As empresas, estranguladas pelos aumentos dos custos de produção, alertam para o desaparecimento de produtos, cujos preços de venda já não compensam.
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A proposta de Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2023 mantém a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, criada provisoriamente em 2015, bem como a contribuição extraordinária sobre os dispositivos médicos, que nasceu em 2020.
No próximo ano, o Governo prevê uma receita de 17,2 milhões de euros com a taxa aplicada à indústria dos medicamentos e de 18,9 milhões de euros com a contribuição sobre os dispositivos médicos, num total de 36,1 milhões de euros.
No caso das farmacêuticas são mais 3,3 milhões de euros (uma variação de 23,7%) do que o valor estimado no OE 2022 e nos dispositivos médicos são mais 2,6 milhões de euros (15,9%).
A Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN) pede a suspensão desta contribuição, admitindo que "agrava o risco de desaparecimento de medicamentos do mercado".
O vice-presidente da APOGEN explicou, ao JN, que "os medicamentos de hoje têm o mesmo preço de há seis meses, de há um ou dois anos". Com a escalada dos custos de produção e a impossibilidade de refletir esse aumento do custo nos preços, as empresas vêm-se obrigadas a desistir da produção de fármacos, penalizando o Estado e os utentes.
João Paulo Nascimento lembra que a indústria dos genéricos e dos biossimilares "já está do lado da solução", a contribuir para a sustentabilidade do SNS, porque vende medicamentos a preços muito inferiores aos fármacos de marca.
"No meio hospitalar, o preço médio dos medicamentos genéricos e biossimilares é inferior em 91% por comparação aos medicamentos de referência", realça o vice-presidente da APOGEN. No meio ambulatório, ou seja nas farmácias, a diferença é de 63%.
Por isso, a APOGEN entende que as empresas de genéricos deviam estar isentas do pagamento da contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica. Esta taxa é calculada em função das vendas ao mercado hospitalar (14,3%) e ao mercado ambulatório (2,5%).
A taxa sobre a Indústria Farmacêutica foi implementada em 2015, durante o período de assistência financeira no país. E, desde o primeiro momento, que foi contestada pela associação que representa a Indústria Farmacêutica (Apifarma).
Urgente atualizar preços para evitar desabastecimento
Desde a segunda metade de 2021, as empresas têm sentido o efeito do aumento de custos, que se agrava a cada mês. "Este agravamento de custos incide sobre a maioria dos componentes necessários para a produção farmacêutica, o que se traduz num aumento importante do custo de produção da maioria dos produtos", refere a Apifarma em resposta ao JN.
Muito preocupada com a situação, a associação alerta para "a urgência da atualização dos preços dos medicamentos, sobretudo dos medicamentos com preços mais reduzidos, de forma a evitar que alguns produtos sejam descontinuados e que haja o risco de desabastecimento".
A Apifarma realça que "as cadeias de abastecimento estão cada vez com maiores debilidades" e que numa conjuntura de inflação e para minimizar os constrangimentos, "é necessário aumentar os "stocks" e antecipar encomendas, o que contribui negativamente para a estrutura de custos de produção da indústria farmacêutica".
E conclui, alertando que "a escalada da inflação exige respostas urgentes para evitar riscos de abastecimento de medicamentos".
"Receita marginal para Orçamento e enorme dano para empresas"
No setor dos dispositivos médicos, a preocupação é idêntica. A proposta de lei do OE 2023 faz tábua rasa dos alertas que vêm sendo feitos pela associação que representa as empresas de dispositivos médicos.
Estas empresas foram chamadas a contribuir para a sustentabilidade do SNS em 2020.
A taxa extraordinária, "que mais parece definitiva", é aplicada em função da faturação anual das empresas.
Quem fatura até dois milhões de euros por ano está isento do pagamento da contribuição extraordinária. As faturações entre os dois e os cinco milhões de euros são taxadas em 1,5%, entre cinco e dez milhões em 2,5% e acima dos dez milhões de euros em 4%.
Os cálculos do Governo, que apontam um aumento da receita de 15,9%, surpreendem porque o mercado não está a crescer nesses termos. "Estranhamos como o Governo diz que vai obter mais receita", refere, ao JN, João Gonçalves, diretor executivo da Apormed.
À semelhança do que se passa com os medicamentos, os dispositivos médicos também correm risco de desaparecerem por falta de interesse comercial na sua produção. "Com a contribuição extraordinária, com pagamentos em atraso, com a subida galopante da inflação, existe o risco de alguns dispositivos médicos serem descontinuados e deixarem de ser vendidos no nosso país", reconhece João Gonçalves.
Nos próximos dias, a Apormed vai procurar alertar os grupos parlamentares e os ministérios mais impactados - Saúde, Economia e Finanças - para "a injustiça desta taxa", que representa "uma receita marginal para o Orçamento da Saúde e provoca um enorme dano às empresas".