As cartas ao Pai Natal estão escritas, mas aqui a maior ânsia das crianças não são os presentes. É o momento em que passam as portas da instituição a caminho da casa de uma família. Dentro do Centro de Acolhimento Temporário (CAT) Infantil da Cáritas Diocesana de Aveiro, em Esgueira, vivem 15 crianças. Algumas têm a sorte de passar o Natal com uma família de acolhimento.
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Contam-se pelos dedos da mão as famílias que se disponibilizam para receber crianças institucionalizadas. Mas há quem o faça. E não só no Natal, todos os fins de semana. "Temos cinco famílias de acolhimento, duas com caráter regular", diz Ana Cristina, diretora técnica do CAT. "A maior parte tem tempo e espírito altruísta".
Nem todas as instituições o fazem, por considerarem que é nefasto para os miúdos. "Aqui, achamos que é importante proporcionar às crianças uma experiência familiar normal", defende. Vão ao cinema, ao jardim zoológico, jantar fora. "Estas crianças também dão muito às famílias que as recebem."
Este é o primeiro ano em que o CAT da Cáritas de Aveiro não vai fechar. Algumas crianças vão passar ali o Natal com as funcionárias. Mas a outras saiu-lhes um presente maior do que qualquer brinquedo no sapatinho.
Rita e Maria: com a família favorita
É com um abraço apertado, carregado de alegria, que Maria (nome fictício) se junta à família que lhe abre a porta neste Natal. Já os conhece, costuma passar fins de semana com eles. "Estou mortinha para ir. É a minha família favorita, já passei o Natal com eles seis vezes." Tem 13 anos e é tão tagarela e alegre que quase dá para esquecer que vive no CAT há sete com a irmã Rita (nome fictício), de nove.
Ana Jorge e Pedro Mendes têm duas filhas, Mariana e Joana, de 16 e 12 anos, mas conseguiram espaço para mais alguém lá em casa. Vão receber Maria e Rita este Natal. "Como não posso ter mais filhos, há sete anos propusemo-nos para família de acolhimento", diz Ana Jorge. Quase todos os fins de semana, recebem crianças, até nas férias. Fazem as contas de cabeça: já receberam dez crianças. "A minha filha Joana era colega da Maria na escola e ficamos sempre mais ligados a elas."
Vão ao cinema, à praia, passear. Já foram a Lisboa, Alentejo, Porto. "Tudo o que fazemos com as nossas filhas. E se tiverem que ouvir um raspanete, também ouvem", diz a mãe.
Maria e Rita levam um presente da instituição, mas debaixo da árvore a família têm prendas para elas. Maria pediu um MP3 e uns patins em linha, Rita um Nenuco. Não são as prendas que as deslumbram. Ana Jorge ainda se lembra da pergunta de Maria no primeiro Natal que as irmãs passaram lá em casa: "Posso comer estes chocolates todos?".
A mais velha até já sabe o menu: "À noite, bacalhau e, ao almoço, peru. Sei que vou brincar e comer muito". As filhas do casal contam que os colegas da escola estranham receberem crianças em casa. Mariana não se importa: "Elas ficam felizes quando estão lá em casa".
André e irmão: vão à mesma casa
No ano passado, André (nome fictício), 12 anos, foi batizado nos escuteiros. O padrinho foi Samuel, o filho de 22 anos da família de acolhimento que só tem olhos para ele e para o seu irmão, de nove anos.
De aparelho nos dentes e olhos claros a brilhar, André conta: "Conhecem-me desde pequenino". Ele e o irmão só saem da instituição com esta família, a ligação foi tão forte que lhes deu o título de "família amiga". O Natal vai ser com eles. Gosta tanto desta família que não consegue parar de dizer tudo o que já fez: "Fui ao Estádio da Luz, entrei mesmo lá dentro, para ver um jogo. Almoço, janto, lancho e tomo banho lá".
O pequeno que sonha ser jogador de futebol como o Pizzi passa os fins de semana com a família amiga há sete anos. "Dão-me muitos abraços. Dão-me coisas para trazer para os meus amigos. Ligam-me no meu aniversário. Vêm cá visitar-nos. Gosto muito deles."
André e o irmão têm um atraso cognitivo. Isso e a idade não ajudam a que sejam adotados. Ainda assim, encontraram esta família. "No outro dia, tive que estudar lá em casa. Tive 50% a Matemática com a ajuda do Samuel". Na carta ao Pai Natal, André pediu um snooker, uma mesa de pinguepongue e uma tablete de chocolate. Está tão ansioso para o Natal que um dia antes já tinha a mala pronta. "É só pegar na mochila e ir. Vamos comer peru, bolo-rei e rabanadas. E podemos repetir muitas vezes."
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15 crianças no CAT
O CAT Infantil da Cáritas de Aveiro tem 15 crianças institucionalizadas, dos quatro meses aos 13 anos. A maior parte são crianças retiradas aos pais por falta de competências parentais. Muitas são visitadas regularmente pelos pais.
Seis acolhem
Há cinco famílias de acolhimento que recebem crianças do CAT da Cáritas de Aveiro aos fins de semana, férias e datas festivas. Este Natal, entre funcionários e famílias, há seis que vão levar crianças para casa.
Famílias voluntárias
São as próprias famílias que procuram o CAT e se propõem como famílias de acolhimento. A instituição faz várias reuniões e avaliações, para perceber se têm perfil.