Tiago Oliveira: "Ciúmes da UGT por negociar com Montenegro? Nem de perto nem de longe"

Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP-IN
Foto: Pedro Gomes Almeida
Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP-IN, prepara a greve geral e diz que primeiro-ministro, de repente, já está disponível.
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Tiago Oliveira, 45 anos, secretário-geral da CGTP há um ano e em contagem decrescente para a primeira greve geral conjunta com a UGT 12 anos depois, antecipa, em entrevista ao JN/TSF, a luta que a intersindical está a preparar contra o anteprojeto do pacote laboral proposto pelo Governo. É lacónico ao afirmar que "neste pacote laboral, nenhum patrão se insurgiu e fica bem patente a quem é que ele responde".
Ainda existe margem de manobra para que esta greve geral seja desconvocada?
A CGTP tem sido firme desde o início. Passaram quatro meses da apresentação do anteprojeto deste pacote laboral. Em cima da mesa, a CGTP só tem um único documento: o documento inicial. Já está completamente interiorizada a dimensão do ataque que está em causa. E perante esta enormidade de alterações que estão neste pacote laboral, todas elas profundamente negativas para o mundo do trabalho, a CGTP tem uma posição concreta. Se há abertura para discutir, comecemos por aquilo que já hoje está na lei, que é profundamente negativo. Vamos começar a construir o caminho a partir daí. O Governo que retire este pacote laboral de cima da mesa. Se assim o fizer, pode contar com a CGTP.
Acredita que a UGT vai ceder à pressão do Governo?
A UGT está firme naquilo que é o posicionamento relativamente à rejeição do pacote laboral. Mas isso será sempre uma questão que será a UGT a definir. Aquilo que é o posicionamento da CGTP, esse também não muda, é o que os trabalhadores esperam de uma central sindical.
Mas Luís Montenegro chamou a UGT a São Bento na próxima semana. É subir um patamar na negociação. Como vê este convite?
As declarações do secretário-geral da UGT foram no sentido de que esta reunião tem por base um convite da própria UGT. Mas a questão central não está aí. Trazer agora o primeiro-ministro à discussão, do ponto de vista da CGTP, é irrelevante no processo. O primeiro-ministro é profundo conhecedor do conteúdo do mesmo, daquilo que é o ataque que está em causa e é o primeiro responsável. De repente, com a convocação da greve geral, já parece que há disponibilidade para tudo e mais alguma coisa. O Governo não apresentou medidas avulsas. O que este Governo fez foi entregar, logo à partida, um pacote laboral de mais de cem medidas. É-nos indiferente se o primeiro-ministro entra no processo ou não.
Concorda que a UGT está sob forte pressão do Governo? Ou seja, a CGTP, de alguma forma, tem ciúmes desta atenção que a UGT está a receber?
Nem de perto nem de longe. E digo-lhe já qual é a grande pressão que a CGTP tem: é tudo fazer para construir um grande dia a 11 de dezembro. Uma grande greve geral. Temos centenas de plenários já marcados pelos mais diversos sindicatos. São milhares de trabalhadores que vão ser contactados. O nosso trabalho é informar, mobilizar e trazer os trabalhadores para a luta.
Na última semana foram sendo conhecidos por parte do Governo alguns sinais para, de alguma forma, continuar a negociação...
Para a CGTP, não. Quais são as medidas que o Governo propõe? Alargar os contratos de trabalho a prazo, contratos de trabalho a termo de dois para três anos e os contratos de trabalho a termo incerto de quatro para cinco anos. Ora, tudo isto a quem é que interessa? Não interessa a nenhum trabalhador. Tudo isto interessa aos patrões. A ministra, que relativamente à amamentação disse que não é razoável as mães quererem gozar duas horas de licença por dia (o que faz uma semana por mês) e chegar ao fim do mês e ganharem o mesmo, é a mesma que relativamente ao alargamento dos horários de trabalho para as empresas, as tais duas horas a mais por dia, não se preocupa. Aqui se vê o posicionamento daqueles que estão do lado dos trabalhadores e dos que estão do lado dos patrões.
Porque é que a CGTP está a exigir a retirada total do pacote laboral, se muito possivelmente será politicamente inviável?
Desafiámos a ministra, numa reunião, a indicar os pontos positivos que ela encontra no pacote laboral. Sabe qual foi a resposta? Encontrou duas medidas positivas. Se eu tivesse feito um pacote laboral e se me colocassem a mesma questão, como representante do Governo, diria que todo ele é positivo. Isto diz muito de quem não colocou uma única proposta da CGTP neste anteprojeto. A CGTP apresentou um conjunto de propostas e dissemos, cara a cara à ministra, que nenhuma vírgula, nenhum ponto de exclamação, nenhum ponto final, o Governo conseguiu ir buscar às propostas da CGTP.
Como é que ouviu o candidato presidencial Marques Mendes dizer que a CGTP nunca tinha assinado um acordo de Concertação Social?
Tenho a dizer que fiquei agradado porque não foi preciso recorrer a nenhum "fact-check" para comprovar que aquilo que o candidato Marques Mendes estava a afirmar era completamente falso. Mas, infelizmente, não é só ele que tem referido isso, são várias as personalidades que o têm feito. Se alguém pensa que estas declarações são inocentes ou são na base de um engano, estão a pensar mal. A CGTP já assinou, em sede de Concertação Social, oito acordos e dois deles de extrema importância, um sobre contratação coletiva e outro sobre o salário mínimo nacional.
Não parece que a CGTP assume uma posição irredutível e que não quer negociar?
Nós não controlamos esse espaço mediático. Aquilo que podemos fazer é tentar desmontar isso e passar a verdade dos factos. No passado dia 8, tivemos mais de cem mil trabalhadores nas ruas de Lisboa a lutar contra o pacote laboral.
Tendo esta perspetiva, qual é a estimativa da CGTP para a adesão à greve geral?
Já são mais de 50 as estruturas sindicais que aderiram à greve geral. Nós temos contactos praticamente diários com o conjunto alargado de sindicatos e, por isso, vamos ter uma grande greve geral. Ainda existe muito caminho para esclarecer. Há muito trabalhador que ainda não tem a verdadeira dimensão do ataque que está em curso, mas a convocação da greve geral já permitiu isso, romper com o silenciamento e trazer para a esfera pública esta discussão.

Foto: Pedro Gomes Almeida
Não receia que, de certa forma, a paragem do país devido à greve geral possa colocar a opinião pública contra as greves?
É daquelas questões que o próprio Governo utiliza para apresentar uma das alterações que é o ataque ao direito à greve. Em maio deste ano, quando houve eleições, os trabalhadores da CP fizeram uma grande luta em pleno período eleitoral, e não podemos esquecer aquilo que foi a intervenção de Luís Montenegro relativamente ao posicionamento sobre aquela greve, que a classificou como partidária.
Que setores da economia, tanto do privado como do público, têm sido mais mobilizados para esta greve geral?
Obviamente que há setores que, pela sua importância, têm um maior impacto na greve. O setor dos transportes tem um impacto maior pela dimensão que atinge. O setor da saúde e o setor da educação são, obviamente, setores que têm muito mais visibilidade e muito mais impacto na sua dimensão e da adesão à greve. Temos identificadas empresas prioritárias para intervir, onde é fundamental um trabalho direcionado para o êxito da greve. Não há nenhuma questão de dar prioridade a um ou a outro setor.
Como avalia a proposta de serviços mínimos que o Governo poderá impor em alguns setores? A CGTP considera isso uma restrição ao direito à greve?
Quando é emitido um pré-aviso de greve, há um conjunto de árbitros que define serviços mínimos. Temos setores públicos onde, pela fragilidade e falta de trabalhadores, os serviços mínimos que são decretados são sempre superiores ao normal funcionamento da instituição. O que o Governo faz com a questão da greve é alargar as áreas consideradas de necessidade social impreterível ao setor social e ao setor da alimentação. Seja isso o que for. Pode abranger todas as fábricas de produção de alimentos. Quer dizer que até as batatas fritas passam a ser necessidade social impreterível? Neste pacote laboral, nenhum patrão se insurgiu. Fica bem patente a quem é que ele responde.
Há a preocupação por parte da CGTP com as retaliações dos patrões ou discriminação aos grevistas?
Claro que existe. Sabemos bem qual é a relação, o que se passa hoje nas empresas e sabemos bem quais são as dificuldades. Mas temos de dizer com confiança aos trabalhadores que assumam aquilo que é um direito seu, que procurem uma vida diferente.
Como é que foi conseguida esta convergência com a UGT? A última greve geral tinha sido há 12 anos, na altura Arménio Carlos liderava a CGTP. Falou com ele?
Foi um processo em que as duas centrais perceberam, pela dimensão do ataque que está em curso, que havia necessidade de conversarem entre si. Passa-se a ideia de que isto é um acontecimento raríssimo. Logo aí se vê a dimensão do ataque em curso. Obviamente que cada central irá fazer o seu percurso da construção da greve.
