Tiago Oliveira: "Salário mínimo deve atingir os mil euros já no início de 2025"
Entrevista JN/TSF a Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP.
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Com apenas 43 anos, Tiago Oliveira já conta 21 de sindicalismo, sendo que 18 são a tempo inteiro. Está ainda no primeiro ano como secretário-geral da CGTP, já conviveu com um governo de maioria absoluta de centro-esquerda e um governo de maioria relativa de centro-direita. E foi este Governo, liderado pelo PSD, que lhe entregou, na semana passada, uma proposta de aumentos do salário mínimo de 50 euros anuais até 2028.
O atual Governo aumentou, ou anunciou a intenção de aumentar, os salários aos polícias, aos militares, aos professores, aos médicos, aos enfermeiros. Dito assim, parece música para os ouvidos de um sindicalista.
É importante discutir aquilo que de facto faz a diferença na vida das pessoas. Que Governo é que nós temos? A CGTP tem sublinhado o passado das políticas que nos conduziram até aqui. A análise que fazemos das dificuldades sentidas, seja de professores, médicos, no setor público ou no privado, são fruto das políticas de décadas. Esse rumo de degradação das condições de vida e de trabalho tem rostos e culpados. E a CGTP denuncia isto desde o início. Não é com este Governo que vamos encontrar um caminho diferente. No que diz respeito à valorização dos salários, das condições de vida ou à alteração da própria legislação de trabalho. Basta olhar para aquilo que é o compromisso que o Governo tem no seu programa para ver o que está a ser discutido em sede de Concertação Social, para percebermos para onde é que pende e qual o caminho que pretende seguir. Portanto, não é, de facto, um Governo que vai alterar aquilo que são décadas deste rumo, que nos conduz a salários de miséria, a dificuldades, a termos um mês com dias a mais para o salário que recebemos. Temos de romper, temos de mudar de políticas, temos de olhar para quem é a maioria. E a maioria são os trabalhadores, são os reformados, são os jovens. E isso só é possível com outras políticas.
Mas estes aumentos, anunciados e concretizados em alguns casos, não são satisfatórios?
O que este Governo procurou foi capitalizar nesse descontentamento. Há muitas coisas que ainda necessitam de resposta, mas foi a luta dos trabalhadores que permitiu que esse rumo fosse seguido. Como tem dito a CGTP, esses exemplos são fundamentais. É com a luta dos trabalhadores que conseguiremos inverter o rumo de continuação de medidas de dificuldade e de incerteza para o futuro.
Em relação ao salário mínimo, a CGTP quer mil euros já em janeiro, num aumento de 180 euros. O Governo apresenta aos parceiros uma proposta de um aumento de 50 euros ao ano até 2028. Ou seja, serão 1020 euros no último ano de mandato, partindo do princípio que será cumprido. A diferença está entre um aumento anual de 20% proposto pela CGTP e de mais de 4% ao ano no caso do Governo, que de resto propõe aumentos semelhantes para os restantes salários. Com a inflação situada em 2%, onde estão as virtudes e os defeitos destas duas estratégias?
O Governo propõe atingir os 1020 euros em 2028, 20 euros acima da proposta inicial. Do nosso ponto de vista, não responde às necessidades emergentes que sentimos no dia a dia. A CGTP tem dado números concretos que justificam a reivindicação de atingir os mil euros já a partir de 2025. Já era a nossa reivindicação para este ano. E um dado concreto, por exemplo, está transcrito na nossa política reivindicativa, só para percebermos a dimensão daquilo que tem sido o peso brutal que incide sobre quem trabalha. A média de aumento das taxas no crédito de habitação, de dezembro de 2021 a dezembro de 2023, foi cerca de 52%! Nós podíamos desejar um país de grandes empresas, como as associações patronais costumam dizer. A verdade é que temos um país onde 90% são micro e pequenas empresas. Temos esse estudo feito: nas microempresas, 91% das vendas resultam do consumo interno; nas pequenas empresas, 86% também. Portanto, 90% das empresas dependem, praticamente em exclusivo, do consumo interno. E, do nosso ponto de vista, só com a valorização dos salários conseguimos alavancar a economia e pôr o país a andar para a frente. Se olharmos para o reverso da medalha, aquilo que nós vemos é que as grandes empresas, os principais 19 grupos económicos do país têm 33 milhões de euros de lucros limpos por dia. Há aqui duas realidades. Nós entendemos que há capacidade, que o país precisa e que há necessidade de aumentar o salário mínimo de forma significativa. Para a CGTP, devemos atingir os mil euros já no início de 2025, sendo uma proposta que decorre da nossa reivindicação para 2024.
Olhando para as prioridades da CGTP e para a proposta apresentada pelo Governo aos parceiros, há uma preocupação da Intersindical com a compensação pelo trabalho suplementar e pelos tempos de descanso. Já o Governo aposta em beneficiar fiscalmente prémios salariais ligados, por exemplo, à produtividade. A CGTP sente-se afrontada com este tema dos prémios, ou há margem para negociar?
Não nos sentimos afrontados de maneira nenhuma com a questão dos prémios. Somos é claros naquilo que dizemos. Se calhar, a maioria das empresas já pratica a aplicação de prémios aos trabalhadores com base na produtividade, acessibilidade, pontualidade, em critérios que as próprias definem. Discutir a melhoria de rendimentos dos trabalhadores com base em prémios é completamente errado. Primeiro, a questão da atribuição de prémios é facultativa. Qualquer empresa dá se bem entender. É uma atitude discriminatória, porque há trabalhadores que vão ter acesso a prémios e outros trabalhadores que não; em segundo lugar, o prémio a qualquer momento pode ser retirado e o trabalhador volta à estaca zero. A nossa batalha é no salário. É aí que está a garantia do trabalhador que, quando chegar o fim do mês, tem lá o seu dinheiro para fazer face às despesas.
Mesmo que não haja discussão, incluir um benefício fiscal para permitir a criação de um 15.º mês seria viabilizado pela CGTP ou tem alguma coisa contra?
Os prémios têm várias coisas contra. Quando falamos de 820 euros, se calhar, na cabeça das pessoas até é alguma coisa. Mas o que dizer sobre adotar a mesma isenção a um administrador da EDP que leva, se calhar, dezenas de milhares de euros? Para alguns dava jeito...…
Parece-lhe que em sede de Concertação Social as centrais sindicais estão em desvantagem em relação aos patrões?
Depende sempre do posicionamento e da leitura que o Governo quiser ter.
E com este Governo, o que é que está a acontecer?
Com este Governo, basta olhar para aquilo que está no documento e perceber que para os trabalhadores tem duas ou três matérias. E todas as outras estão preocupadas com as confederações patronais. Vamos tentar ser mais precisos. Há algo que evite o desfecho habitual de perpetuar os baixos salários? Há dois anos, o aumento do salário mínimo foi de 55 euros. Neste ano, o aumento do salário foi de 60 euros. A proposta é que regresse a valores inferiores, 50 euros. Portanto, que sinal é que estamos a dar para as empresas? Que sinal é que estamos a dar para o país? É que vamos andar para trás. E o que nós dizemos é que tem de ser o contrário. Neste momento, e as discussões estão a acontecer, estamos muito longe daquilo que é a posição da CGTP.
Entende que 6% é um mau referencial para um aumento da Função Pública?
A partir do momento em que a CGTP tem as reivindicações que tem em cima da mesa, temos de ser honestos e olhar, profundamente, para aquilo que é um alavancar significativo dos salários, mas terá de ser discutido com os sindicatos do setor.
De qualquer forma, o Governo já fechou vários acordos setoriais. Porém, os sindicatos afetos à CGTP ficaram de fora. Isso significa que se vão manter as greves?
A questão está bem colocada: os sindicatos da CGTP ficaram de fora. Agora, temos de ver a resposta que os trabalhadores deram e estão a dar ao facto de os sindicatos terem ficado de fora. Logo a partir do momento em que, por exemplo, com o setor dos enfermeiros, foram estabelecidos acordos com alguns sindicatos, o sindicato afeto à CGTP, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, fez uma grande ação de luta com participação enormíssima, o que revela que, de facto, estávamos do lado certo ao ficar de fora na proposta apresentada. Portanto, para nós, o essencial é responder aos interesses dos trabalhadores. Se a luta vai ter dimensão? Há de ter dimensão mediante as circunstâncias que nos são colocadas. A CGTP avança, de 7 de outubro a 8 de novembro, com um mês de mobilização e de luta. Vamos para as empresas discutir com os trabalhadores, ouvir os seus problemas, mas também vamos dizer aquilo que é preciso ser feito, caminho que temos de trilhar para elevar as nossas condições de vida. E vamos mobilizar esses trabalhadores para uma grande manifestação nacional, que já marcámos para o próximo dia 9 de novembro, em Lisboa e no Porto. Será sempre com a luta dos trabalhadores que conseguiremos alterar o rumo.
Esta estratégia, que não é exclusiva da CGTP, costuma coincidir com a chegada do Orçamento ao Parlamento. É daqui a duas semanas…
A 10 de outubro.
Como está a acompanhar este longo processo de negociação política do Orçamento do Estado para 2025 e, nomeadamente, o cruzamento de ideias entre os principais partidos?
É um fator relevante para o país e para os trabalhadores. É óbvio que temos de acompanhar e estar atentos. A questão fundamental é aquilo que é colocado em matéria de Orçamento do Estado e terá impacto na vida de quem trabalha. Matérias como algumas linhas vermelhas que estão a ser introduzidas têm de ser bem discutidas.
Quais são os sublinhados que quer fazer?
Estou a falar, por exemplo, das questões mais recorrentes na Comunicação Social, como o IRS Jovem e o IRC para as empresas.
Gosta mais da versão antiga ou da versão que está agora em cima da mesa?
Não podemos estar de acordo com uma versão que vem olhar de forma indiscriminada para o rendimento da pessoa. Não podemos ficar isentos se ganharmos mil euros ou se ganharmos cinco mil. Portanto, a partir daqui, acho que está a nossa posição. Não se pode olhar à idade, tem de se olhar para o rendimento auferido pela pessoa.
O país está a precisar de eleições antecipadas? E seriam vantajosas para os trabalhadores ou seriam, pelo contrário, prejudiciais?
Posso referir o posicionamento da CGTP relativamente ao Governo e à política que dele esperamos, que diz respeito à valorização dos salários e à melhoria das condições de vida. Caberá aos decisores políticos encontrar o caminho que querem para o país e a CGTP cá estará para construir o caminho que entende que deve construir.
Vamos a uma questão que tem dado pano para mangas. A CGTP está mais próxima do modelo de manifestações de interesse como porta de entrada de imigrantes em Portugal para trabalhar, ou do modelo mais restritivo de recrutamento por necessidade setor a setor, ou até por cotas, como já ouvimos falar? Qual é a posição da CGTP em relação a isto?
A posição da CGTP relativamente a isso é que da maneira como a pergunta é colocada até me dificulta dar a resposta.
Mas exclui o quê? O que é que está aqui a ser excluído que seria a melhor opção?
A premissa é completamente errada e conduz-nos a outro tipo de discussões que influenciam a sociedade e que pessoas com responsabilidade não podem assumir nem podem ter. E isso preocupa-me.
É a limitação da entrada de pessoas, é isso? Esse fator tem de ser excluído da discussão?
São vários fatores. O próprio Governo português faz campanha em países a recrutar trabalhadores. Mas não faz essa campanha na Alemanha, na Suécia, na Suíça ou na Finlândia. Gostava de ver um alemão a trabalhar aqui com o salário mínimo nacional português. Colocar na sociedade a questão da forma como está a ser colocada tem sido assustador. A circulação de pessoas é algo que deve ser natural, nós também o fazemos. Acho que estamos com uma discussão enviesada e complicada.
Portanto, acha que não temos um problema em Portugal em relação a isso e que a discussão nem sequer faz sentido?
Eu acho que temos um problema em Portugal, que é a exploração destes trabalhadores.
Há um aproveitamento por parte de empresários portugueses?
Se eles estão a trabalhar cá, estão a trabalhar para alguém. Conheço processos de empresas de transportes que foram buscar trabalhadores fora e que andam aí a conduzir em situações complicadíssimas, por oportunismo que é colocado para defender os interesses sempre de alguém, não é? E quem sofre são sempre os trabalhadores.