A "afición" começou a ganhar força no final dos anos 90. Atualmente existem seis escolas, dois festivais de tango anuais e ainda uma marca de sapatos para a prática de tango argentino. Os estrangeiros são o grande motor da comunidade tangueira e das milongas (bailes livres) que se realizam no Porto
Corpo do artigo
Foi uma questão de tango", assim descreve João Santos Gouveia a ocasião que o levou, já bem entrado nos 70, a cruzar-se com a antiga campeã nacional de danças de salão Luísa César Fernandes, numa milonga. Ao primeiro abraço semeou-se um casamento que já leva sete anos. O par é assíduo na Milonga la Porteñita, no Carvalhido, antiga milonga das Antas, que se faz invariavelmente há 17 anos, ao domingo à tarde, no Porto. O anfitrião e DJ é António Alberto Martins, um dos mais antigos aficionados de tango do Porto, que relata que a febre começou no final dos anos 90, com a criação da coletividade Clube de Tango do Porto, onde havia uns 30 sócios. Começaram por trazer um par de três em três meses e faziam cursos no Ginásio Lumen e noutros espaços. A comunidade foi crescendo. Anos depois de várias contendas, acabou a coletividade e foi criada a escola Esquina de Tango.
Atualmente são seis as escolas onde se pode aprender tango, no Porto. Milongas fixas existem de quarta a domingo, mas a quantidade de eventos paralelos é tão grande, entre festivais, "marathons" (onde se dança dias seguidos sem parar), aulas e práticas que neste momento é possível dançar tango todos os dias na cidade.
Há qualquer coisa de geometria no tango argentino, o homem eixo vertical, centro de gravidade e a mulher nele abraçada, com as pernas afiadas pelos tacões, qual compasso a desenhar círculos na pista.
Abraçados numa espécie de delírio comum
Além das saudações à entrada e na troca de sapatos, que até já têm uma marca portuguesa, a Zalazar, as conversas são parcas. As palavras que se ouvem são da música, pungente, e os casais ali abraçados numa espécie de delírio comum conhecem os códigos ziguezagueantes que os guiam.
António Alberto não crê que a comunidade do Porto tenha crescido. Estima que sejam cerca de 300 pessoas, mas explica que à boleia dos estrangeiros há um crescimento enorme de participantes. "Se viesse cá na semana passada, esta milonga ia ser totalmente diferente. Estava cheia de estrangeiros. As pessoas do tango, quando viajam, consultam sempre a agenda de eventos que estão a acontecer noutras cidades, e isso é fascinante", corrobora Ana Isabel. A paixão atingiu-a há 35 anos quando viu Astor Piazolla no teatro Rivoli. À época, coreografou, em contemporâneo, por não dominar outras linguagens, temas dele. Conta com alegria que a avó lhe disse que, ao contrário do tango de salão, o tango argentino não devia ser dançado por senhoras.
Bailarino taxista
Como dança de pares, o género é uma questão presente. Há mais mulheres a dançar do que homens, mas nenhuma fica sozinha na milonga. Em Buenos Aires há milongas só para homens onde vão fazendo o papel de guia, alternadamente. António Alberto conta que na capital argentina há agora um novo nicho de mercado, o táxi-tango. Um bailarino taxista leva as mulheres pelas milongas e só dança com elas. Acredita que o serviço possa nascer em breve no Porto.
Manuel Jerónimo começou a participar em milongas já sexagenário, para acompanhar a mulher, há 17 anos. "Comecei a aprender na Lição de Tango e depois fomos para o Oscar e Gladys e depois para a Isabel e Nelson, que competem em tango de cenário", conta. E para vincar a qualidade do tango no Porto, remata: "Temos vice-campeões europeus (Isabel e Nelson) e um campeão europeu (Fernando Jorge e Alexandra Baldaque)".
São dos casais mais divertidos. A sua mulher não se importa nada que ele dance com outras. A única pena que ele tem é que, como ela tem medo de andar de avião, nunca foram a Buenos Aires e seria bom "ver o ambiente que é sempre diferente de videoclips e slides".
O destino argentino é frequente entre milongueiros. Olívia Pinheiro já foi e confessa que só pensa em voltar ."Fui a Buenos Aires pelas milongas. Queria sentir aquele ambiente". Todas as semanas vem da Póvoa ao Porto para a milonga de domingo. "É para terminar a semana em grande e com um abraço muito bom".
A partir do momento em que se entra, não se sai mais, porque o desafio é permanente
O tango, visto de fora, tem este carisma. Não é uma alegria histriónica, mas as pessoas têm um ar feliz quando se fundem num abraço. João Santos Gouveia descreve-o como "uma tristeza intelectual, como na ópera. Você não tem tristeza física por ver o protagonista morrer, tem uma tristeza intelectual".
"As pessoas só começam a gostar de tango a partir dos 30 anos, a malta mais nova, também porque muitos emigraram, não se vê tanto", explica António Alberto. "Mas há uma caraterística comum a todos: a "afíción". A partir do momento em que se entra, não se sai mais, porque o desafio é permanente e é uma dança que permite uma grande longevidade. O tangueiro mais antigo do Mundo tem 96 anos"