Durante séculos, o rio Douro foi a estrada utilizada nas viagens para o Porto das populações que vivem nas suas margens. As vias terrestres levaram ao abandono desta prática e o canal navegável é atualmente utilizado, sobretudo, pelos turistas. A vontade da Autarquia de Gaia é mudar o panorama.
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Um rio não só para turistas mas também para servir as populações locais, nomeadamente as ribeirinhas e mais afastadas dos centros urbanos do Porto e Gaia. A ideia não é nova, mas volta a renascer pela vontade do autarca de Vila Nova de Gaia que pretende instalar no canal fluvial do Douro uma ligação de transporte de passageiros entre o cais e a barragem de Crestuma. A exploração obrigará à articulação com outros municípios e com a APDL, a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo. É preciso também um plano de segurança e um tarifário que seja comparticipado. O cliente poupa tempo e dinheiro nas suas deslocações para o emprego, para a escola ou para ir às compras..
"Neste momento, as estruturas, como os cais e a gestão das margens, pertencem à autoridade portuária e este tipo de projeto só será possível quando a tutela desses espaços passar para as autarquias", considera Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Gaia que, neste processo, espera o envolvimento do seu homólogo do município de Gondomar, na margem direita do Douro. "Há um conjunto de entidades que devem ser envolvidas no processo e, sobretudo, tem de haver consenso", acrescenta o autarca, embora reconheça que não será fácil que a APDL abra mão da gestão e exploração da Via Navegável do Douro, nomeadamente entre a Ponte Luís I e a barragem de Crestuma.
O turismo é a galinha de ouro da região e um grave acidente no rio seria catastrófico
Outra das questões a resolver é a segurança. A via navegável do Douro registou no ano passado um recorde de passageiros, cerca de 1,2 milhões de turistas, nas embarcações que cruzam o rio. "Este será o principal problema para que este projeto arranque porque o rio tem um canal estreito e para conjugar todo este movimento tem de haver um plano de emergência. O turismo é a galinha de ouro da região e um grave acidente no rio seria catastrófico", acrescenta Eduardo Vítor Rodrigues, salientando que a criação deste serviço de transporte fluvial foi uma promessa eleitoral não só sua (PS) mas também da CDU. Recorde-se que neste momento já convivem embarcações de turismo, particulares de recreio e de pesca.
"Seria útil ter um serviço regular de transporte público de passageiros, sobretudo para quem mora nas zonas ribeirinhas e que está menos bem servido de transportes por via terrestre", refere o autarca, que espera arrancar com o projeto-piloto no início do próximo ano e ter a ligação a funcionar em pleno em 2020. "Um percurso que em transporte individual ou de autocarro pode demorar 45 minutos e que pelo rio se faz em 15", acrescenta.
Marco Martins, presidente da Câmara de Gondomar, tem outra visão da questão e prefere que sejam criadas travessias fluviais entre margens. "Não estamos interessados porque fizemos um estudo de viabilidade em 2014 e a conclusão foi de que, pelo modo rodoviário, ao longo da EN 108 que percorre toda a marginal, é mais rápido chegar ao Porto do que de barco, onde a velocidade é menor. Depois, em Gondomar, o operador (Gondomarense) faz ligações de 15 em 15 minutos", explica o autarca.
Do lado de Gaia, a realidade é diferente. Localidades como Crestuma, Lever, Arnelas e Avintes estão localizadas junto ao rio e a única via paralela, a EN 222, fica a um nível superior que obriga a população a deslocar-se. "Aqui pouca gente anda de transporte público. Nas deslocações para Gaia ou para o Porto, o transporte individual é o mais utilizado. Pelo rio sempre seria mais rápido porque não há cruzamentos nem semáforos, mas também isso não é para todos porque há gente que enjoa ou tem medo", refere António Pereira, residente em Crestuma.
Intercâmbio entre localidades
"Devia-se usar mais o transporte fluvial, mas para servir os locais. Faz falta um barco ou uma ponte a ligar Gramido ao Areinho de Avintes. Era uma forma de intercâmbio entre as localidades, de pessoas, comércio e cultura", considera José Carlos Rebelo, residente em Gondomar. Localidades que pelo rio estão separadas por escassos metros e que por via terrestre a ligação obriga a andar quilómetros e a usar travessias como a Ponte do Freixo ou a barragem.
José Rodrigues, da empresa Margem Flamingo, diz ter a solução. Diretor operacional da Marina de Melres (Gondomar) e responsável pelo Taxi-Boat que faz a ligação à Lomba, na margem esquerda considera que o canal navegável do Douro tem potencial ainda por explorar. "Quando se diz que há demasiados barcos no rio só mostra o grande desconhecimento do que se passa lá fora. Como em Veneza", explica. A Margem Flamingo ganhou a concessão da travessia entre o Cais do Ouro (próximo da Ponte da Arrábida), no Porto, e a Afurada, em Gaia (ligação que já existia), assim como a ligação entre a Marina de Avintes e Gramido (a criar de raiz). "O objetivo é criar sinergias de forma a fazer ligação entre as três plataformas e trazer mais pessoas para esta zona mais a montante, com paragem em Avintes", explica José Rodrigues, que quer aproveitar o facto de as zonas das ribeiras estarem já saturadas de visitantes, sendo esta localidade mais no interior "uma alternativa sobretudo para os portugueses que ao fim de semana podem fazer uns passeios, vir fazer um piquenique e desfrutar da paisagem deslumbrante".
Barco tem muita procura no verão porque a marina e a praia fluvial atrai muitos turistas, mas a operação é feita todo o ano
O que acontece nas ligações entre Melres e a Lomba pode servir de exemplo para o futuro. Por apenas um euro a população faz a viagem de cinco minutos entre as duas freguesias, que por terra demoraria de 30 a 40 minutos. A embarcação tem 14 lugares (e o mesmo número de coletes salva-vidas) e faz cinco ligações por dia. "Tem muita procura no verão porque a marina e a praia fluvial atrai muitos turistas, mas a operação é feita todo o ano para servir os locais que fazem a travessia para ir ao supermercado, à farmácia ou ao médico", refere José Rodrigues, que espera ter a rede de ligações ao longo do rio dentro de um ano.