Intervenção é mais eficaz com a conjugação de terapia farmacológica e cognitivo-comportamental.
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Existem formas de tratar impulsos sexuais sobre menores, de modo a prevenir que o crime de abuso aconteça. Este é o consenso da ciência. A Igreja Católica já afirmou querer trabalhar este tema e Daniel Sampaio, membro da Comissão Independente, concorda. Especialistas ouvidos pelo JN afirmam haver tratamento para a sintomatologia associada à pedofilia, sendo o mais eficaz através da conjugação de terapias farmacológicas e cognitivo-comportamentais (aquelas desenvolvidas, por norma, por um psicólogo). Mas todos alertam que o tratamento não livra do julgamento nem da punição pelo eventual crime cometido.
Questionado sobre a necessidade de desenvolver um plano dedicado ao tratamento dos membros da Igreja, que constem ou não do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças, que queiram ajuda para lidar com os seus pensamentos e comportamentos pedófilos, o psiquiatra Daniel Sampaio afirma que "o ministro da Saúde vai organizar este apoio através do Plano Nacional de Saúde Mental". "Agora, a Igreja o que tem de fazer é articular-se com o Ministério", disse. O psiquiatra defende que é necessário oferecer tratamento farmacológico e psicoterapêutico aos abusadores, devendo-se "protocolar nos serviços distritais de psiquiatria a imediata assistência a estas pessoas".
Já o presidente do colégio de psiquiatria da Ordem dos Médicos não considera o tema prioritário. António Reis Marques recusa que haja "algum contingente especial" para tratar os abusadores identificados no recente escândalo da Igreja. "A prioridade deve ser a responsabilização. Depois disso, quando já devidamente punidos criminalmente, se houver vontade de ser acompanhado, tal como qualquer cidadão, o abusador tem o direito a ser apoiado medicamente." O psiquiatra teme que ao priorizar o tratamento se possa estar a "colocar o agressor e a vítima no mesmo plano de prioridade".
"temos de os condenar"
O presidente do colégio de psiquiatria sublinha que "ser agressor não é patologia". Também a psiquiatra Ana Matos Pires pede que não haja confusão de definições. "A maioria dos pedófilos sofre com estes pensamentos e pede apoio. Há pessoas em Portugal que, em contexto de consulta de psiquiatria, estão a ser ajudadas".
Joana Carvalho, da Universidade do Porto, frisa que existe uma distinção entre pessoas com interesse ou impulsos sexuais que envolvem crianças e abusadores. "Os segundos podem não ter interesse sexual por menores, havendo outras motivações para o crime".
O caso da Igreja, diz Ana Matos Pires, é exemplar da complexidade do tema. "Não faço a mínima ideia de quem são estas pessoas, tanto posso descobrir psicóticos, psicopatas, depressões ou transtornos de personalidade". A psiquiatra diz que é impossível afirmar que há tratamento para todos os casos, sem existir "uma avaliação prévia" de cada indivíduo.
Ana Matos Pires também teme que o foco neste tema leve a que se "advogue o tratamento para salvaguardar ou diminuir a gravidade do crime". "Eles são abusadores e temos de os tratar? Não. Eles são abusadores e temos de os condenar. Aqueles que queiram alterar o comportamento, depois de condenados, o Estado deve ajudá-los".
Quanto à resposta existente, Daniel Sampaio admite que "não temos um programa nacional dedicado ao tratamento e apoio de abusadores ou pedófilos, mas pode organizar-se". Ainda assim, o psiquiatra frisa que o Serviço Nacional de Saúde está munido de profissionais competentes para intervir nesta área.
Joana Carvalho, professora da Universidade do Porto, diz que há programas de investigação científica implementados a nível mundial, e coordena um em Portugal.