Ser mãe tem muito que se lhe diga e sê-lo numa altura em que o Estado parece estar a falhar pode ser ainda mais desafiante. O JN falou com três mulheres, grávidas do primeiro filho, que identificam as principais dificuldades e partilham os medos e obstáculos para o futuro das crianças.
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No conforto do privado
Visando um acompanhamento médico mais personalizado e com tempo, o recurso à saúde privada foi uma escolha das três, que têm seguros para ajudar nos custos. “As consultas são mais longas, não existe pressa para terminar, nem 'timings' apertados, e os médicos acabam por conseguir gerir melhor o tempo e até os recursos”, defende Ana. Apesar de ser seguida pela médica de família, a jovem de Leça da Palmeira sentiu a necessidade de complementar o acompanhamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Uma realidade semelhante à de Maria, que considera que há “certos confortos” que é “impossível ter no público”. “Há cuidados com o parto que só vou conseguir no hospital privado e também não quero passar por certas coisas, então prefiro pagar”, confessa. Já a escolha de Liliana prendeu-se mais com o “historial médico” e o facto de conhecer os profissionais “do que com o público estar a falhar”. Aliás, para a diretora de marketing, a experiência no SNS está a ser “ótima”, embora reconheça que não “retrata a realidade do país”.
Os desafios de educar
A saúde está longe de ser a única preocupação das gestantes. Da educação às redes sociais, os desafios de criar um filho estão identificados pelos pais, hoje “mais informados”. “Preocupa-me a toxicidade das redes e o ambiente nas escolas. Ouvimos cada vez mais casos de bullying, até mais do que propriamente a falta de professores ou o tipo de educação que se dá na escola”, diz Liliana. Natural de Aveiro mas a viver no Porto há mais de 10 anos, acredita que a família é fundamental, porque não se pode esperar que as crianças “aprendam tudo sozinhas na escola”, nem se deve “delegar tanto a responsabilidade de as educar aos professores”. Para Ana, o caminho será usar a evolução tecnológica a favor da maternidade, sem ignorar os benefícios de brincar na rua e de contactar com a natureza: “Acho que é importante eles terem as experiências, sentirem as coisas. Isso faz diferença.” No entanto, admite, “a partir do momento em que o bebé vai para a escola, há muita coisa que deixa de ser possível perceber e isso é assustador”.
A poucas semanas de conhecer a bebé Maria Luisa, Maria Caldas está com os olhos no futuro. Inscreveu a filha na creche aos três meses de gestação e teve a felicidade de conseguir um lugar numa IPSS na cidade onde vive com namorado Diogo, em Vila Nova de Gaia, uns meses depois. Mas é a qualidade do ensino público em Portugal que a preocupa verdadeiramente. “Há pouco tempo saiu os rankings das escolas e algo que nos chocou bastante foi a primeira escola pública a estar em ‘trigésimo qualquer coisa lugar’, estava muito para baixo. Tenho percebido que é preciso ter condições para ter saúde e educação em Portugal. Claro que é possível fazer tudo pelo SNS, estudar numa escola pública e etc, mas há certos confortos, que conseguimos muito mais facilmente no privado. E é triste”, assume.
Instabilidade não condiciona o sonho de aumentar a família
“Quem tem filhos tem cadilhos”. O ditado é antigo, mas a sabedoria popular continua a fazer sentido. Ser pai é uma “responsabilidade enorme” e há muitas variáveis que devem ser pesadas na balança. “Temos de pensar se temos uma casa ou não, se temos um trabalho estável ou não, no que é que nos falta fazer e como é que isso vai afetar os nossos planos futuros”, explica Liliana Pinho. No entanto, defende que, quando o desejo fala mais alto, “há determinadas coisas em que o mínimo é suficiente”. E o mínimo pode ser um teto, ainda que seja alugado, um trabalho estável e uma relação saudável.
Com 31 semanas de gestação e um espírito marcadamente positivo e pragmático, a diretora de marketing não se desgasta com temas em que pode intervir, mas mostra-se apreensiva com os fatores que podem influenciar a vida da filha e sobre os quais “os pais não têm um papel ativo”, em assuntos como o clima ou a conjuntura social do país. “Preocupam-me as alterações climáticas porque se de repente tivermos uma alteração ao nível do clima, nós não vamos a tempo de fazer nada. Se de repente vivermos numa ditadura e se houver fatores externos a limitar a liberdade e os direitos, o meu papel fica muito limitado, e isso sim preocupa-me bastante”, admite. Porém, a consciência de que ela própria também viveu num Mundo com diferentes perigos ajuda a acalmar o coração de mãe de primeira viagem.
Futuro risonho
Desassossegos e inquietações à parte, a felicidade de gerar uma nova vida sobrepõe-se a qualquer cenário hipotético menos positivo. Convictas de que o “momento perfeito” não existe, Maria, Ana e Liliana embarcaram na aventura da maternidade com sonhos e esperanças na bagagem.
“Acho que o mais importante é poder proporcionar ao bebé experiências positivas, poder estar presente, poder vê-lo crescer numa família com amor e com condições para o ter em casa. E quando eu falo em condições não me refiro a dinheiro, mas sim a presença, ao afeto e ao carinho”, defende a psicóloga Ana Prata. Carrega na “barriga tímida” de 20 semanas, o fruto do amor da relação de 10 anos que construiu com André, e para o benjamim da família só tem um sonho: “que ele possa viver livremente para atingir os seus objetivos”.
É também em liberdade que Liliana espera que a filha Madalena possa viver. “Acredito que hoje em dia estamos mais conscientes da ideia de que é possível perdemos as liberdades conquistadas no passado”, por isso o grande desejo é que o “mundo continue a avançar” e que no futuro “ela possa contribuir para um mundo melhor para os outros”. “Sei que ela vai ter de olhar pelo ombro muitas vezes, que vai ser posta em causa muitas vezes, que vai ter de lutar pelo papel dela no mundo do trabalho, mas espero que a sociedade lhe facilite a vida”, desabafa.
Também futura mãe de uma menina, Maria não esquece o percurso sinuoso das mulheres que “já passaram por tanta coisa” para conquistarem os mesmos direitos dos homens, mas que agora vivem numa geração que tem “sede de fazer diferente” e “valoriza a liberdade”. “Eu quero que ela sinta que, para ser uma mulher independente, precisa de ser desenrascada, precisa de ouvir o próximo, mas também precisa de fazer as coisas com as mãozinhas dela e não esperar que caiam do céu”, explica a jovem de 25 anos.
Mais filhos
Em 2024, a natalidade em Portugal inverteu o sentido dos últimos dois anos e desceu, com uma queda de 1.4% em relação a 2023. Esta é uma tendência para a qual estas mulheres não querem contribuir: as três têm a ambição de construir uma família com mais do que um filho.
“Daqui a cinco anos gostava de ter pelo menos uns três filhos, porque gostava muito de poder ter uma família grande, como aquela da qual eu venho”, confessa Ana. Já Liliana “não gostava que a Madalena fosse filha única e portanto gostava de ter uma família de quatro pessoas, mais os bichos”. “Quero poder dar mais segurança financeira a Malu e quero continuar com o conforto e com o amor que nós temos dentro de casa. E dando tudo certo com a Malu, mais filhos e uma vida leve”, revela Maria.