Em dois meses, rejeitadas quatro aquisições de medicamentos por dívidas em hospitais de Lisboa, Amadora e Guimarães. Lei dos Compromissos criticada.
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Em apenas dois meses, o Tribunal de Contas recusou o visto a quatro contratos de aquisição de medicamentos que iam ser celebrados pelos hospitais de Guimarães e Amadora e Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Em causa está a falta de fundos que pode comprometer tratamentos de cancro, HIV, artrite e doença rara de Fabry.
Só no Hospital de Guimarães, foram rejeitadas duas compras de medicamentos, em novembro e dezembro do ano passado. Os dois contratos são referentes à compra de Etanercept, para diferentes patologias como artrite reumatoide ou psoríase, e Migalastate, para a doença de Fabry, uma patologia rara e hereditária que predomina naquele concelho. "A falta de fundos disponíveis para suportar a despesa com o contrato em apreço é geradora de nulidade", justificam os juízes.
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Nem o facto de o Hospital de Guimarães alegar que os medicamentos são "essenciais para a prestação de cuidados de saúde" e que a recusa da aquisição "constituiria uma grave violação do princípio da proporcionalidade e do direito à saúde" demoveu os juízes.
O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual fazem parte o Santa Maria e o Pulido Valente, também viu rejeitada a compra de dois medicamentos, ambos no mesmo contrato, pelo mesmo motivo de Guimarães. Tratam-se de Lenalidomida e Talidomida, para tratar o cancro da medula óssea.
"Ninguém por tratar"
O outro caso diz respeito ao Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (antigo Amadora-Sintra) que viu recusada a aquisição por 673 mil euros de Raltegravir, um medicamento para tratar HIV. A dívida de 2,3 milhões à data da compra ditou o fracasso da aquisição.
Nenhum dos quatro casos transitou em julgado e, contactados pelo JN, os hospitais prometem recorrer, assegurando que nenhum doente ficará por tratar. Só não dizem é como vão suprir as falhas. Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, avança com uma explicação: os "hospitais fazem empréstimos entre si para que estas necessidades sejam supridas, e depois há novos pedidos".
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Em causa está a lei dos compromissos, imposta pela troika em 2012, que dita que os administradores "não podem assumir compromissos que excedam os fundos disponíveis". Alexandre Lourenço pede mudanças na lei e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, acompanha a exigência: "A lei dos compromissos é quase impossível de cumprir. Se cumprirem, obviamente não estão a tratar os doentes como devem tratar".
6,8 milhões de euros
As aquisições de Guimarães iam ser feitas por 1,2 milhões de euros e 2,9 milhões de euros. Já as de Lisboa Norte custariam 2,7 milhões. As dívidas ascendem a 45 e 55 milhões, respetivamente.
170 doentes
Em 2019, foram tratados 158 doentes com Etanercept e 12 com Migalastate, segundo o Hospital de Guimarães.
Lei vai mudar
Os administradores só podem gastar os fundos que têm e os dos três meses seguintes, mas a proposta de Orçamento do Estado para 2020 pretende alargar o prazo para meio ano.
Garcia de Orta
Foi rejeitado ao Hospital Garcia de Orta em novembro a prestação de serviços de radiologia e imagiologia, no valor de 1,7 milhões para os próximos cinco anos.
Roupa em Vila Real
O Hospital de Vila Real não teve autorização para serviços de tratamento de roupa por 382 mil euros.
