Trinta anos depois, inflação regressa em força e afeta nível de vida dos portugueses
Efeitos da guerra na Ucrânia e das sanções à Rússia fazem preços disparar. Costa, que começou por prever fenómeno passageiro, decretou apoio de 125 euros em outubro.
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Não se via nada assim há 30 anos. Da última vez que o país se tinha deparado com uma inflação próxima dos 10%, em 1992, Cavaco Silva era o primeiro-ministro, Mário Soares o presidente, a Ucrânia vivia os primeiros meses de independência após o fim da União Soviética, a Internet era uma miragem e o telefone fixo parecia estar para durar. Em 2022, o custo de vida voltou a subir em flecha, agravado pela guerra na Ucrânia. Os portugueses entram em 2023 com mais dores de cabeça motivadas pelos preços da energia, gás e outros bens essenciais.
Em abril, António Costa afirmava que a inflação era "conjuntural e transitória", referindo-se aos efeitos da guerra e das sanções à Rússia, e prevendo um mal passageiro. Dias mais tarde, o ministro das Finanças, Fernando Medina, descrevia o fenómeno como "temporário". Contudo, o custo de vida continuou a subir.
Em outubro, o país acordou chocado com a notícia de que havia hipermercados a colocar alarmes em latas de atum, de modo a evitar roubos. "Não há dúvida de que são roubos para comer", confirmou, na altura, o presidente da Associação das Empresas de Distribuição, Gonçalo Lobo Xavier. "É o primeiro sintoma de uma grave crise social", alertou.
No início de dezembro, o Banco de Portugal estimou que o custo mensal médio de um cabaz alimentar tenha aumentado 21% entre outubro de 2021 e outubro de 2022. Segundo a Deco Proteste, entre o início da guerra e o dia 2 de novembro, o preço da carne subiu 21,17%, o dos laticínios aumentou 19,08% e o das frutas e legumes ficou 15,27% mais caro. A gasolina e o gasóleo chegaram a custar mais de 2 euros por litro.
apoios extraordinários
Da energia ao gás, da habitação aos combustíveis, o Governo decretou várias medidas para mitigar a inflação. Mas as mais emblemáticas chegariam em outubro, quando os portugueses com rendimentos até 2 700 euros/mês receberam 125 euros adicionais. A medida foi considerada insuficiente por muitos, mas depressa as conversas por todo o país passaram a incluir conselhos, piadas ou devaneios sobre o que fazer com "os 125 euros do Costa".
Os adultos com filhos receberam, no mesmo mês, 50 euros adicionais por criança. O facto de a inflação ter vindo para ficar - como, entretanto, o Governo reconhecera - levou a que, em dezembro, o Executivo decidisse pagar novo apoio extra, agora de 240 euros, aos mais carenciados.
O Governo rejeitou sempre fixar preços, como pedia a Esquerda, ou criar vales alimentares, conforme queria o PSD. Costa começou por também recusar taxar temporariamente certos lucros excessivos, mas recuou depois de, em setembro, a Comissão Europeia ter proposto essa solução.
desigualdade aumenta
Em setembro, o JN noticiava que Portugal tinha passado a ter, em 2021 - ou seja, ainda antes da guerra -, 2,3 milhões de pessoas em risco de pobreza (22,4% da população), mais 256 mil do que em 2020. Já este mês, foi também o JN que deu a conhecer que há hoje cinco vezes mais ricos no país do que em 2014.
Os problemas sociais adensaram-se. Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu-o quando afirmou que, "provavelmente", a deterioração das condições de vida iria levar os portugueses a dizerem "baixinho", durante a ceia de Natal, "muito mal do presidente e um pouco mal do Governo". No jantar de Natal dos deputados do PS, a palavra que Costa mais repetiu para lançar o próximo ano foi "incerteza". E será provavelmente isso, mais do que qualquer outra coisa, que o país poderá esperar de 2023.