De relíquias históricas e peças de museu, os elétricos explodiram com o boom turístico que a Invicta vivenciou nos últimos anos. A Linha 1, que liga o Infante ao Passeio Alegre, é a mais procurada. O interesse é tanto que as filas são imensas, não sobram lugares e há veículos antigos parados que vão voltar em breve aos carris para colmatar a procura, que duplicou em meia dúzia de anos.
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Paola agarra com a firmeza de apenas uma mão um dos bancos bordeaux vivo do quase centenário mas bem conservado elétrico da Linha 1 que sai do Infante rumo ao Passeio Alegre, no Porto. É manhã de um dia de semana com sol a preceito, a lotação de 23 passageiros sentados esgota-se em menos de um esfregar de olhos e Paola é dos muitos turistas que têm de se contentar em viajar de pé durante o percurso de pouco mais de 15 minutos que tem sempre como companhia o cenário privilegiado do rio Douro. A atrapalhada busca de equilíbrio não lhe rouba a sagacidade de tentar captar imagens da paisagem enquanto segura o telemóvel com dificuldade na mão que tem livre. "Isto é fantástico", comenta em italiano vivo com os familiares que, como ela, também vão tentando desfrutar da viagem com pés bem assentes no soalho que já não é de madeira mas continua trepidante como nos velhos tempos em que o elétrico era transporte público frequente na cidade.
O número 1, que existe desde a origem e nunca foi descontinuado, é o mais procurado e movimentado da rede de elétricos do Porto, que contempla ainda as linhas 18 (Massarelos-Carmo) e 22 (Carmo-Batalha). Há 8,9 quilómetros de carris ativos pela cidade e 46 paragens disponíveis.
Cada viagem em qualquer uma das linhas tem o preço único de 3,50 euros. Quem quiser duas viagens para o mesmo dia paga seis euros. E um bilhete de dois dias para adultos tem o valor de 10 euros (cinco para crianças). Os possuidores de passe Andante podem utilizá-lo.
Com seis veículos (todos da década de 1930) e 12 guarda-freios (chamar-lhes motoristas quase os pode ofender) em funções, a circulação é diária e todas as linhas têm saídas com frequência média de 20 minutos, entre as 9 e as 20.30 horas.
Subida em flecha
"A frota será reforçada em breve, aumento que se justifica face à procura verificada", garante ao JN fonte da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP). É a resposta à elevada demanda que se fez sentir desde que o Porto passou a constar da lista dos destinos mais procurados do país.
Os dados oficiais da STCP são claros e permitem fazer a ligação direta entre o boom turístico e a explosão de passageiros. Em 2012, a empresa contabilizou 362 mil utilizadores nos elétricos da rede. Em 2018, o número subiu para 745 mil. Pelo meio, foi notória a evolução de ano para ano, com subidas constantes e um acréscimo significativo, sobretudo, de 2016 em diante.
O turismo foi fator preponderante para a revitalização da atividade do elétrico, veículo com história no Porto não tivesse sido o primeiro destino de sempre da Península Ibérica a recebê-lo, em 1872, através da Companhia Carril Americano do Porto.
"Com base no tipo de título utilizado, poder-se-á inferir que, atualmente, cerca de 80% dos passageiros serão turistas e os restantes 20% residentes utilizadores de assinaturas mensais", confirma a mesma fonte da STCP.
Só no primeiro semestre de 2019, a STCP oficializou 323 mil passageiros. Se se tiver em conta que não foram abrangidos nessas contas os meses de verão com mais procura turística no Porto (de julho a setembro) e que só até junho tinha sido alcançado quase metade do total de 2018, a probabilidade é que os resultados globais possam, pelo menos, igualar os do ano passado e se quebre mais um recorde de procura. Ou que até possam ser ultrapassados. "Para já, os números deste ano são semelhantes aos do mesmo período do ano passado", realça a STCP.
Museu também em alta
"A procura galopante por parte dos turistas obrigou à recuperação de viaturas antigas, entretanto colocadas a circular", explica, por sua vez, Carla Dias, responsável pelo Serviço de Gestão de Coleções do Museu do Carro Elétrico, instalado na Alameda Basílio Teles, em Massarelos, e que, também beneficiou com o aumento de visitantes do Porto. Em 2018 recebeu 27 mil entradas, "valores já igualados só no primeiro semestre de 2019", assinala Carla Dias.
Inaugurado em 1992, o museu conta com 26 elétricos antigos em exposição permanente. A entrada é cobrada a oito euros e as crianças até aos seis anos podem entrar gratuitamente.
"Temos ainda cinco veículos que podem ser alugados por escolas, empresas ou particulares para viagens privadas", refere Carla Dias. "O_museu foi o principal dinamizador para que o elétrico não desaparecesse da memória da cidade", considera. Lá é possível encontrar exemplares de todas as épocas, desde os primórdios em que as carruagens eram puxadas por animais (os chamados americanos) aos mais recentes, comprados na década de 1960, quando se verificou o auge do elétrico enquanto transporte público de eleição no Porto. E é também lá que se fica a saber que cidades como São Francisco (Estados Unidos)_ou Buenos Aires (Argentina) compraram dezenas de veículos que em tempos circularam pelas ruas da Invicta e ainda hoje os mantêm em atividade permanente.
"O elétrico foi aposta principal no Porto durante longas décadas. Só a partir dos anos 1970 se verificou uma tendência de decréscimo, quando se passou a apostar mais nos autocarros e troleicarros", rebobina Carla Dias.
Os anos seguintes foram de quase penúria, com cada vez menos linhas e, consequentemente, menos passageiros. "O grande ponto de viragem foi a realização da Cimeira Ibero-Americana no Porto, em 1998, quando se aproveitou a deixa para revitalizar e requalificar parte das linhas", prossegue a responsável do Museu do Carro Elétrico.
A segunda década do século XXI trouxe o turismo de massas à cidade. E o elétrico voltou a ganhar vida. Tanta que é hoje dos motivos de referência para quem visita o Porto.