Os turistas são o motor que vai puxar pela economia pós-covid nas cidades, mas especialistas deixam alertas para não se perder de vista o equilíbrio e sustentabilidade. "Não é receber menos, é distribuí-los melhor. Não é crescer para eles, mas planear com eles", sustentam.
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O turismo, um "tema central nas cidades", tornou-se "ainda mais central" quando a sua ausência forçada pela pandemia de covid-19 deixou um "efeito brutal" na economia de muitas zonas urbanas. Quem o diz é Rio Fernandes, geógrafo e professor catedrático da Universidade do Porto, que, há dias, abordou a temática na conferência "O Porto e as mudanças das cidades, entre turismo e pós-covid", na biblioteca de Perosinho.
"As cidades devem refletir sobre o seu modelo. Se forem excessivamente dependentes do turismo, como me parece ser o caso do Porto, isso faz com que sejam frágeis do ponto de vista da sua economia, como se viu com a covid", explica.
No Porto, como no resto do país, é preciso saber tirar as devidas lições do período pandémico e pesar bem as vantagens e desvantagens das duas faces da moeda: de um lado, a riqueza e emprego, do outro, a dependência, o aumento de preços, ruído e incómodos para residentes.
Não é pensar a cidade contra o turismo, mas sim sem subserviência ao turismo
No futuro, alerta Rio Fernandes, não devem ser desvalorizadas questões como, por exemplo, "uma política intermunicipal e pensamento regional" para "descomprimir" a elevada carga dos centros e levar os turistas a visitarem outros locais, ter em atenção a "transformação dos edifícios e uso do espaço público". "Não é pensar a cidade contra o turismo, mas sim sem subserviência ao turismo". Ou seja, ter uma "cidade com turistas e não a cidade dos turistas".
Braga, a cidade lusa que participou, a par de outras oito europeias, num estudo do programa URBACT sobre como tornar o turismo urbano mais sustentável na Europa pós-covid, já tratava o desenvolvimento turístico numa "lógica harmoniosa" e "equilibrada" com outros setores, afiança o presidente da Câmara, Ricardo Rio.
O "turismo estava a ganhar protagonismo, mas não estávamos a depender exclusivamente dele", havendo outras atividades a absorver muita mão de obra, conta. Isso foi importante para que algumas das pessoas que trabalham em atividades turísticas e ficaram sem emprego devido à pandemia, fossem "reorientadas para outros setores", fazendo com que, no final de 2021, se registassem "menos de 6 mil desempregados", aponta.
Em Braga, muito do esforço de renovação de imóveis ao longo dos últimos anos foram não só para turismo, mas também escritórios e habitação
Em Braga, afirma o edil, para além de um turismo diversificado, há cuidado no uso do espaço. "Muito do esforço de renovação de imóveis ao longo dos últimos anos foram não só para turismo, mas também escritórios e habitação, numa multiplicidade de usos", que evitou a "desertificação" das zonas centrais.
O documento final do URBACT apenas ficará pronto no verão, mas há já algumas pistas importantes para o futuro. O turismo, refere Ricardo Rio, tem de ser "não um objetivo, mas um complemento a outras atividades económicas e sociais que existam em cada um dos territórios". Tem de haver diversificação da oferta, para as cidades não ficarem tão "expostas a flutuações do mercado e tendências internacionais" e não se pode descurar a "visibilidade". A gestão e apropriação do espaço público, integrando o turismo "naquilo que é a vivência da comunidade local", assim como ter "medidas mitigadoras do impacto do turismo", evitando o "desgaste da cidade", também são importantes.
Antes do vírus, Lisboa recebia "entre 30 e 40 mil turistas por dia" e o setor representava "40% do emprego e 7% do PIB". Os números são sublinhados por Vítor Costa, diretor-geral da Associação Turismo de Lisboa e presidente da Entidade Regional do Turismo de Lisboa, que acredita que, apesar da "quebra de 90%", passada a pandemia, a capital "vai continuar a estar na crista da onda". "Quando há alívio das restrições, cresce a procura", o que é um bom indício.
O turismo é que vai puxar pelas cidades
O responsável afirma que há muito havia preocupações com a sustentabilidade e, pese embora algumas questões pontuais, como a grande concentração em alguns bairros e a regulação dos alojamento locais, no geral o crescimento estava a ser "sustentado".
A resposta pós-pandemia ao desequilíbrio entre vários setores de atividade económica nas cidades, que a covid tornou por demais evidente, não deve obrigar a "sacrificar" ou "desprezar" o turismo, defende. Até porque, com isso, "ficamos todos mais pobres". "Não penso que [pós-pandemia] o turismo passe a ser quantitativamente menor", poderá é ser "percentualmente menos importante, com o desenvolvimento de outras atividades", considera Vítor Costa.
Passada a pandemia, o "turismo é que vai puxar pelas cidades", afiança Carlos Costa, diretor do Departamento de Turismo da Universidade de Aveiro e perito incumbido pela União Europeia de avaliar em Portugal o impacto da pandemia, apontando três setores fundamentais que as cidades terão de ter em conta no futuro: a sustentabilidade ambiental, a coesão social e as tecnologias.
Equilibrar o processo de desenvolvimento urbano
Preocupadas com a saúde e o ambiente, as pessoas não vão todas, de repente, trocar os destinos citadinos pelo campo, mas querem "cidades sustentáveis, com menos automóveis e mais mobilidade suave, sem poluição e em que o fator do usufruto para o espaço seja grande", refere.
"A força económica que vai fazer com que as cidades cresçam no futuro é o turismo, porque vai trazer pessoas, as pessoas vão querer comércio, restauração, alojamento".
Uma cidade que só tenha turismo "não faz sentido", admite, mas o que temos de fazer no futuro "não é mandar os turistas embora". O fundamental é "equilibrar o processo de desenvolvimento urbano", conclui Carlos Costa