Um em cada cinco adolescentes teve um comportamento autolesivo no último ano. Quase 5% fizeram-no quatro ou mais vezes. Com maior incidência nas raparigas e nos alunos do 8.º ano.
Corpo do artigo
Números preocupantes que obrigam a respostas integradas, segundo os especialistas. Que deixam outro alerta: grande parte dos jovens que tentaram o suicídio já se tinham automutilado.
Os dados são do mais recente estudo HBSC (Health Behaviour in School-aged Children) realizado em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, estando em Portugal a cargo da equipa Aventura Social da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa. No total, foram distribuídos 6997 inquéritos a jovens de Portugal continental, dos 6.º, 8.º e 10.º anos.
No ano passado, 19,6% dos adolescentes tinham-se magoado intencionalmente, a maioria nos braços (58,7%) e nas pernas (10,5%). Depois da subida registada no último estudo - dos 15,6% registados em 2010 passou-se para os 20,3% em 2014 -, o fenómeno parece agora estabilizado. O que por si só não é uma boa notícia. "Porque a percentagem em 2010 já era preocupante e a subida ainda mais preocupante se tornou", frisa Margarida Gaspar de Matos, coordenadora do estudo.
Numa análise aos últimos 20 anos de HBSC em Portugal, constata-se um pico de casos em alunos do 8.o ano, com 22% a admitirem aquele comportamento, contra 15,8% do 10.o e 12,8% do 12.o. O que poderá ser explicado pelo facto de a "autolesão ser uma tentativa de autorregulação de estados emocionais negativos", sendo que a partir do 8.o ano "deixam a autolesão, verificando que é uma estratégia de "curto prazo", que não ajuda", diz Margarida Gaspar de Matos.
Porta para o suicídio
Admitindo que a "percentagem de adolescentes com comportamentos autolesivos seja bastante superior a 20%", a psicóloga Maria Gouveia avisa que parecem ser, também, "uma porta de entrada para comportamentos mais graves, como seja a tentativa de suicídio".
Autora de vários estudos sobre suicídio na adolescência, revela que num deles constatou que "a maioria dos adolescentes que fazem tentativas de suicídio têm história de comportamentos autolesivos". E o que move estes jovens? A sua pesquisa associa estes comportamentos a emoções como "o desespero, a desesperança, a raiva e o sentimento de falta de valor".
1,62 mortes por suicídio por 100 mil pessoas na faixa etária dos 15 aos 19 anos foi a taxa registada em 2015, depois do pico de 2,55 verificado no ano anterior, quando o suicídio subiu em Portugal.
O que prova que "a maioria destes comportamentos são relacionais e o foco da intervenção também tem de ir nessa intervenção". O papel dos pais é preponderante, porque quando têm conhecimento - "e são muito poucos" - tendem a pedir ajuda profissional, o que "é extremamente importante", porque só uma "intervenção psicoterapêutica pode ajudar a parar".
Prevenção nas escolas
Há todo o trabalho a priori, nomeadamente de prevenção nas escolas. Até porque, frisa Maria Gouveia, "os adolescentes aderem muito bem às intervenções de prevenção". Na sua prática, constata que "estão sequiosos de falar e trabalhar as questões emocionais".
Equipas comunitárias, a trabalhar junto das populações, são prioritárias. O que só se faz com "mais investimento", avisa o psiquiatra Daniel Sampaio, que lembra que "os serviços de psiquiatria e saúde mental têm poucos recursos". Sejam os pais, sejam as escolas, "o que é preciso é falar com os jovens". O primeiro sintoma? "O mal-estar com o próprio corpo. Se tem o comportamento de esconder o corpo", conclui.
Atenção a estes sinais
Tristeza persistente, não dormir nem comer adequadamente e isolamento são sinais, diz a psicóloga Maria Gouveia, de que "algo não está bem".
A relação com o corpo
Outro sinal de alerta, segundo Daniel Sampaio, é quando o jovem tem o "comportamento de esconder o corpo". O que acontece mais com as raparigas.