Residentes no estrangeiro que escolheram manter a sua morada em Portugal são apontados como principal fator.
Corpo do artigo
Eleição após eleição, o mesmo fantasma assombra os resultados e inflaciona a abstenção que, só por estarmos em pandemia, já se prevê bastante elevada amanhã. Em tempos de covid-19, passou os 60% nas presidenciais de 2021 e foi de 46% nas autárquicas. Os investigadores referem entre 600 mil e mais de um milhão de eleitores-fantasma. Mas a situação é sobretudo atribuída aos emigrantes, pela diferença entre os Censos e os cadernos eleitorais.
A questão dos eleitores-fantasma é recorrente, apesar das medidas introduzidas para corrigir os cadernos. Mas há quem destaque que o maior fator são os portugueses que há muito vivem no estrangeiro, mas fizeram questão de manter o recenseamento no país natal. Ou seja, emigrantes que constam dos cadernos eleitorais mas não dos Censos. E, assim, chega-se à tal diferença superior a um milhão.
Algumas análises apontam para 1,14 milhões de eleitores-fantasma. O mapa oficial das legislativas publicado em dezembro refere 10,82 milhões de eleitores.
A abstenção nas legislativas tem subido desde 2005 (ver infográfico). Agora, receia-se que o voto presencial dos confinados possa afastar outros eleitores.
Ao JN, o investigador Luís Humberto Teixeira destacou que, "antes de cada eleição, os mandatos atribuídos a cada círculo são apurados com base nos cadernos eleitorais. Estes são regularmente acusados de desatualização, devido à presença dos eleitores-fantasma".
"Os dados mais recentes indicam que haverá entre 600 mil e mais de um milhão de eleitores-fantasma, números que, desde logo, inflacionam os valores da abstenção", confirma o investigador, que há muitos anos estuda estas matérias.
Luís Humberto Teixeira nota que o modo habitual de calcular os eleitores-fantasma implica confrontar os números dos cadernos com outros indicadores, como as estimativas de população do INE ou os Censos.
Regionalização em risco
"Ora, no caso dos Censos, há uma probabilidade de os valores obtidos estarem abaixo dos reais, devido a fatores tão simples como a não resposta ao inquérito. E os valores dos cadernos podem estar acima dos reais, porque só se retira o direito de voto a alguém que se sabe que já não o vai exercer porque morreu", alerta.
Porém, "diferenças superiores a 600 mil são demasiado elevadas para se considerar que não estamos perante um problema que importa resolver". Deste modo, defende que, até ao final deste ano, o Parlamento dote os serviços encarregados de gerir os processos eleitorais e referendos "dos meios técnicos e legais necessários para manter os cadernos o mais atualizados possível". Até porque, avisa ainda, "ninguém quer que haja dúvidas acerca do eventual caráter vinculativo do referendo sobre a regionalização, que parece estar na calha para 2024".
Pela CNE, o porta-voz João Tiago Machado disse ao JN que o milhão de eleitores-fantasma de que se fala prende-se com o facto de apenas haver 1,5 milhões de recenseados no estrangeiro quando a nossa população na diáspora "é muito superior" a isso. Ou seja, não são fantasmas, são emigrantes e eleitores de "carne e osso".
votar nas autárquicas
Sobre os emigrantes que, por vontade própria, continuam a usar a morada de Portugal para efeitos de recenseamento, o porta-voz da CNE crê que se trata também de uma questão de apego à terra. Mas também recorda que só assim podem votar nas autárquicas.
Ao JN, o MAI destacou que a Administração Eleitoral "expurgou centenas de milhares de inscrições incorretas nos últimos 24 anos e de forma sistemática, fossem de óbitos antigos ou duplas inscrições detetadas e corrigidas. E não pode retirar da Base de Dados do Recenseamento Eleitoral quem legalmente está inscrito em território nacional apesar de residir no estrangeiro".
Quanto aos Censos, lembra que "consistem num questionário efetuado porta a porta ou por via eletrónica e em que não são consideradas as pessoas que optem por não responder ou que não se encontrem lá - pelo que o resultado é estatístico e pode apresentar divergências com o número real da população efetiva".