Indicadores de saúde mental ainda não recuperaram níveis pré-pandemia, mas sintomas diminuíram significativamente neste ano.
Corpo do artigo
Quase um quarto da população adulta continua a referir sintomas de ansiedade moderada ou grave, depressão e perturbação de stress pós-traumático, agravados com a pandemia de covid-19, mas parece estar a adaptar-se, pois as percentagens diminuíram significativamente neste ano, embora continuem superiores ao pré-pandemia.
Os dados, antecipados ao JN, são da análise de uma amostra longitudinal que, entre maio e julho deste ano seguiu 1940 (1231 indivíduos da população geral e 709 profissionais de saúde) das 6079 pessoas (2095 profissionais) inquiridas no período homólogo do ano passado, no estudo nacional sobre saúde mental e covid-19, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), em parceria com a Faculdade de Medicina de Lisboa e a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental SPPSM), designadamente.
"Ao longo da pandemia, os sintomas que têm sido reportados em diversos estudos são amplamente superiores ao habitual para a ansiedade, depressão e perturbação de stress pós-traumático" (PTSD, no acrónimo inglês), diz a presidente da SPPSM, Maria João Heitor.
Apesar de serem "mais elevadas do que as de estudos na comunidade pré-pandemia", há uma "diminuição na percentagem de indivíduos que reportaram sintomas compatíveis com ansiedade moderada a grave", que é "mais evidente na população geral", passando de 29% para 24%, do que nos profissionais de saúde (27% para 24%).
Por outro lado, registou-se uma "descida relevante" - de 29% para 25% - na percentagem de profissionais de saúde que mencionaram sintomas de depressão moderada a grave, enquanto a população geral (maiores de 18 anos) mostrou estabilidade (de 27% para 26%).
Apenas queixas
Em relação aos níveis de perturbação de stress pós-traumático, a diminuição é significativa nos profissionais de saúde (24% para 17%) e na população em geral (30% para 24%). Mas, as "taxas compatíveis com PTSD são amplamente superiores às habituais", sublinha a docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
A diminuição significativa na percentagem de menções a sintomas compatíveis com ansiedade moderada a grave "poderá ser explicada pelo potencial de adaptação ao contexto pandémico na população geral", admite. Note-se que, em 2020 e 2021, os meses estudados correspondem sensivelmente ao último período de um confinamento e ao desconfinamento.
Os dados, "só por si, não permitem fazer diagnósticos e identificar perturbações psiquiátricas", adverte Maria João Heitor. "Apenas se consegue detetar percentagens de pessoas que reportaram queixas compatíveis", mas "não podemos concluir que têm essas perturbações".
Mesmo assim, que avaliação fazer dos impactos da covid-19 na saúde mental? "Os níveis elevados e prolongados de stress a que as pessoas foram sujeitas, quer pela pandemia, quer pela crise económica associada, levaram ao desenvolvimento de intenso sofrimento psicológico", aponta.
risco de agravamento
Também há "alterações neuropsiquiátricas em pessoas infetadas, ou que tenham estado, decorrentes do efeito direto do vírus SARS-CoV-2 no sistema nervoso central, ou através da ativação de uma resposta imunológica intensa". Ora, "se houver uma doença psiquiátrica prévia, o risco de agravamento ou de desenvolver outra patologia é superior com a pandemia".
Quanto ao prolongamento, as "consequências psicológicas da adaptação a uma situação indutora de elevado stress na população em geral e nos indivíduos que estiveram infetados, com menos oportunidades de socialização, medo, incerteza e exposição a notícias e imagens nos meios de comunicação social". Nos profissionais de saúde, acresce a sobrecarga e exaustão.
Três conceitos
ANSIEDADE - Sentimentos de tensão, preocupação e insegurança
As perturbações de ansiedade são caracterizadas por sentimentos de tensão, preocupação, insegurança, medo, frequentemente acompanhados por alterações físicas como o aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, sudação, secura da boca, tremores e tonturas. Apesar do valor adaptativo da ansiedade como característica normal, quando é prolongada, intensa e incontrolável, pode interferir negativamente com a capacidade de desenvolver atividades diárias e causar sofrimento físico/emocional significativo. Nestes casos estamos perante uma "ansiedade patológica".
DEPRESSÃO - Pode ser duradoura ou recorrente
Não é apenas sofrimento mental. É mais grave, mais intenso e prolongado no tempo (pelo menos duas semanas na depressão major). As perturbações depressivas são perturbações do humor, caracterizadas por tristeza, perda de interesse ou prazer, sentimentos de culpa, autoestima baixa, perturbações do sono ou do apetite, sensação de cansaço e baixo nível de concentração. Pode ser duradoura ou recorrente, prejudicando substancialmente a capacidade de funcionar no trabalho ou na escola, ou lidar com a vida diária. Na forma mais grave, pode levar ao suicídio.
Stress pós-traumático - Mais provável nas pessoas que já passaram por traumas
É uma perturbação mental que se pode desenvolver em resposta à exposição a um evento traumático (acidentes de viação, cenários de guerra, agressão sexual ou outras ameaças). Na maior parte dos casos, o evento, por si só, não desenvolve esta perturbação. É mais provável aparecer nas pessoas que experienciam ou já experienciaram traumas. Caracteriza-se por pensamentos intrusivos, pesadelos ou "flashbacks" de um evento traumático passado, procura incessante de evitar estímulos, pessoas, situações ou atividades que espoletem memórias associadas ao evento traumático, estado constante de alerta e insónias. Causa sofrimento e problemas a nível pessoal, social e profissional.
*com a colaboração da presidente da Sociedade Portuguesa de psiquiatria e saúde mental, Maria João Heitor