Especialistas pedem mudanças na estratégia para acompanhar subida de infeções. Regiões Norte e Lisboa e Vale do Tejo formam militares para apoiarem Saúde Pública.
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As dificuldades já estão à vista e vão agravar-se nos próximos dias. Os rastreadores dos casos de covid-19 e dos contactos destes infetados são poucos para as necessidades e mesmo que as equipas sejam reforçadas será difícil responder em tempo útil à esperada avalanche de novos casos que deverá resultar da conjugação da variante ómicron com os festejos de Natal. As regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo estão a formar militares, mas já há especialistas a pedir mudanças na estratégia de rastreio.
Em Espanha, o sistema de rastreio de contactos entrou em rutura nos últimos dias, deixando diariamente milhares de pessoas sem convocatória para teste ou recomendação de isolamento. E, por cá, os atrasos começam a evidenciar-se.
De acordo com o último relatório de monitorização das linhas vermelhas da DGS e do INSA, publicado na passada sexta-feira, entre 15 e 21 de dezembro, 84% dos casos notificados foram isolados em menos de 24 horas após a notificação, menos 5% do que na semana anterior. Bem pior está o rastreio e isolamento dos contactos destes casos positivos: apenas 58% foram contactados em 24 horas. Naquele período, estiveram envolvidos no processo de rastreamento, em média por dia, 490 profissionais a tempo inteiro, menos oito do que na semana anterior, diz o relatório.
"Os recursos são manifestamente insuficientes, estamos aquém das necessidades", alerta o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública. Tendo em conta o previsível agravamento da incidência - o índice de transmissibilidade (Rt) saltou para 1,23 e a incidência (no continente) subiu para os 807,4 casos por 100 mil habitantes, segundo o último boletim da DGS - Ricardo Mexia admite que pode ser necessário mudar a estratégia e "assumir que não se faz rastreio de contactos", como fez a África do Sul. O matemático Óscar Felgueiras, que tem dado apoio ao Governo na contenção da pandemia, reconhece que, mesmo com reforços, não haverá capacidade instalada para a vigilância dos contactos. "Face à dimensão de casos de que estamos a falar, é necessário uma mudança completa de paradigma, da forma como se fazem os rastreios", defende. Seguir o exemplo da África do Sul pode ser arriscado antes de se perceber melhor o impacto dos novos casos no internamento hospitalar.
Militares em formação
Enquanto isso, as regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo reforçam as equipas e já estão a contar com o apoio das Forças Armadas. No Norte, foram formados recentemente 30 militares para prestarem apoio à Saúde Pública e esta semana serão mais 15. Desta vez, não assumirão o papel de rastreadores, vão apenas prestar informações aos contactos de risco, explicou ao JN fonte da ARS Norte.
Em Lisboa e Vale do Tejo, estão a colaborar com o Departamento de Saúde Pública cinco equipas de militares - "por dia, operam 10 militares de cada vez por equipa para poderem fazer rotação entre si", explica a ARS LVT, indicando que há mais duas equipas a receber formação desde ontem.
Além dos militares, refere ainda a ARS LVT, as equipas de inquéritos epidemiológicos foram recentemente reforçadas com 20 profissionais da área da Saúde e estima-se que, em breve, haverá novo reforço. "O número de rastreadores é dinâmico, encontrando-se acima de uma centena", conclui. No passado, recorreu-se a alunos de Enfermagem e a recursos das câmaras, mas por ora a estratégia assenta nos militares.
Número
490
rastreadores estiveram envolvidos a tempo inteiro no processo de rastreamento de casos entre 15 e 21 de dezembro, segundo informação da DGS e do INSA.
Pormenores
Dia com 16 mortes
Portugal registou, na segunda-feira, 16 mortes e 6334 novos casos de covid-19, uma subida face à passada segunda-feira, quando foram contabilizados 2752 positivos.
Agravamento do Rt
O cenário é ainda de grande incerteza, mas os especialistas notam que, perante o agravamento do Rt (está em 1,23) - o indicador que estima o número de infeções provocadas por cada infetado -, os casos vão inevitavelmente aumentar.
Incidência a subir
A taxa de incidência nacional passou de 630,8 casos por 100 mil habitantes a 14 dias (na sexta-feira) para 804,3.