Comissão Europeia defendeu ideia de isolar os cidadãos mais velhos até ao fim do ano. A idade não é o fator que causa maior dor durante o confinamento.
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"Velhos são os trapos" e ter mais de 65 anos não significa estar parado. Há idosos a quem faltam horas no dia para fazer tudo o que querem. É "o grupo etário mais heterogéneo de todos", explica José Ferreira Alves, professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho.
Quando se fala em isolar os mais velhos até ao final do ano e nas possíveis consequências ao nível da saúde mental, mais do que a idade, deve ter-se em conta "os hábitos culturais, a saúde, o grau de autonomia, o nível educacional de cada indivíduo", até porque "cada pessoa reage de forma diferente".
A título de comparação: "Se isolarmos um jovem de 15 anos que nunca esteve sozinho, que nunca esteve confinado, há um risco enorme". Os mais velhos já viveram muito, estão habituados a adaptações. Tudo depende do "grau de sofrimento" que cada um sente por não ter contactos sociais. "15 dias podem ser suficientes para desencadear uma perturbação de stress pós-traumático, por exemplo", analisa o docente.
O grau de dor que cada um vive quando está sozinho é o que determina, mais do que a idade, os sintomas físicos e psicológicos e a gravidade dos mesmos. "O risco maior é colocarmos tudo dentro do mesmo saco".
Hábitos de leitura, prática de desporto, contactos com as ferramentas digitais, assim como a presença da família para ajudar a interpretar notícias, podem ser "fatores protetores dos mais idosos", mas, no entender do psicólogo, "o medo é comum a todos os grupos etários". Uma vida pelos vidros não é mais transparente.
Até da VCI tenho saudades
Avelina Almeida Frequenta aulas online e partilha trabalhos manuais com as netas à distância.
A voz é jovem, assertiva, brincalhona. Tem 70 anos, trabalhou 48 na Real Companhia Velha, Gaia, acompanhou visitas, mais tarde foi chefe do departamento de exportação, uma vida inteira ligada aos vinhos. Reformou-se há quatro anos, sem nunca parar. Antes de o vírus a limitar a um "ir e vir de dois quilómetros" - passeio diário que lhe serve de remédio -, estudava na Universidade Sénior Contemporânea do Porto. Às aulas presenciais juntava os almoços com os colegas de turma, visitas culturais, fazia hidroginástica, levava os netos à escola, ia buscá-los à ginástica. "Até da VCI tenho saudades".
Vive sozinha em Gaia e tem duas gatas, que andam sempre juntas, são as "maninhas". "Estou em casa desde 15 de março. As minhas filhas vêm-me trazer compras, mas não saio do elevador".
Agora tem aulas online, vê muitas séries à noite e mantém a grande paixão. "Adoro fotografar, sobretudo flores, e depois tento reproduzir o que fotografo para desenho a lápis".
Ela que "sempre foi uma pessoa muito ativa" sente-se "presa em casa", mas não hesita em dizer: "Temos de nos adaptar para não nos deixarmos abater. Estou sozinha, mas nunca só". Valem os telefonemas às amigas, os desafios de trabalhos manuais que envia para as netas pela Internet. "Não estou preocupada porque tenho muita saúde".
Para se manter otimista, doseia o consumo de notícias, que "nunca começam pelos casos recuperados". A viagem a Itália em junho foi cancelada. O único medo é que isto demore a passar. "Seis ou sete meses em casa? Não vai acontecer, quero ir de férias com a minha família em agosto, vai ficar tudo bem". Que assim seja.
Venci vírus com amor dos outros
Empresário, antigo chefe dos serviços gerais do Porto de Leixões, antigo presidente do Leça Futebol Clube, o mais velho de cinco irmãos. Pai e avô em confinamento, aos 73 anos. Claudino dedica-se à leitura, desdobra-se em telefonemas e vê os netos à distância. "O que me afoga é não ter a sala desarrumada, ter uma casa vazia. Não estou preparado para apanhar um vírus e partir. Tenho tanto por fazer e por dividir".
Numa analogia de voz amarga diz que o primeiro vírus que apanhou foi em 1961, quando soube que o pai tinha morrido num acidente de trabalho. "Foi dramático, de repente, tudo mudou". Tinha 14 anos. "Venci esse vírus com o amor dos outros e mandei-o à fava, agora não sei se tenho tempo para dizer o que quero, fazer o que planeio".
Chegou a pagar o corte de cabelo às prestações. Subiu a pulso na carreira. Montou duas clínicas médicas e já está a preparar um centro social na terra que ama, ali junto ao mar. "Sou um talibã por Leça". "Apareceram-me muitas pessoas boas na vida. Pagaram-me livros, deram-me sapatos novos e agora também eu vou arranjar soluções para os mais vulneráveis".
Nunca parou. Antes do isolamento, acordava às 8 horas e o dia rendia até à uma, duas da manhã. "Tenho dificuldade em ficar fechado, a minha geração fez tudo para não estar numa cela durante mais de meio século e agora estamos a entrar noutro tipo de prisão. Não nos dão pulseira eletrónica, mas a polícia manda-nos para casa". Ele, todo projetos e futuro, garante: "Se me amarrarem, matam-me".
Uma das filhas, enfermeira, foi infetada por Covid-19. Vê-a por vezes, ao longe, junto à praia. Tem amigos internados que não pode ir visitar. "Mastigo os pensamentos para que saiam mais vivos".