Na casa de Cidália, em Évora, vivem cinco pessoas. Entram três salários. Na habitação arrendada por 700 euros já não se come peixe. Cortou-se no consumo de carne. "Quando não chega para pagar a luz e a renda, corta-se na alimentação". Cidália Barriga é representante do Conselho Nacional de Cidadãos da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) Portugal. e dá esta sexta-feira voz, numa conferência promovida pela rede, no Porto, aos mais de dois milhões de portugueses que vivem em risco de pobreza.
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Os dados mais recentes apontam para uma redução da população naquela condição, para os 19,4%, mas foram apurados com os rendimentos de 2021. Contudo, há indicadores de privação material que se agravaram.
Tal como na casa de Cidália Barriga, 3% da população não consegue ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de dois em dias. E 17,5% não consegue manter a casa aquecida. Dados que motivam uma das recomendações que sairá da conferência, que visa discutir o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, antecipando a Cimeira Social do Porto, que decorrerá em maio. "Os compromissos assumidos no plano [anunciado em 2021] têm que ter em conta o contexto atual, o que exige que o plano seja reforçado", defende, ao JN, a coordenadora da EAPN.
Depois, adianta Maria José Vicente, urge "atuar nas causas estruturais da pobreza", bem como "definir uma estratégia europeia, com vista a uma gestão integrada". Para que, diz, se "atue nas causas e não em medidas pontuais de emergência". Porque, explica Cidália Barriga, "temos relatórios e estatísticas que apontam que as medidas que se vão tomando não são eficazes", descrevendo o país como "uma bomba-relógio".
País onde 10,3% dos trabalhadores são pobres, num fenómeno que continua a fustigar mais as mulheres, as crianças, os idosos e as famílias monoparentais. Que importa serem ouvidos: "É fundamental que o plano de ação tenha presente estruturas e espaços de participação efetiva das pessoas", frisa a coordenadora da EAPN.
A conferência "People"s Summit", que esta sexta-feira se realiza na Fundação Cupertino de Miranda, visa esse abrir de portas. Porque, "mais do que avaliarmos as metas, é necessário avaliar de que forma as medidas estão ou não a ter impacto nas condições de vida das pessoas".
Contas de somar
"Os aumentos são astronómicos. Em setembro pagava 90 euros de gás e luz. Agora, são 180 euros. Estamos no mesmo lugar e são as mesmas pessoas. Se juntarmos os bens essenciais, as coisas ficam pior. Sem aumento do rendimento é insuportável". Cidália, 48 anos, já beneficiou do rendimento social de inserção. Eram os três filhos pequenos. Agora, ajudam a pagar as contas. Mas não chega. "Tira-nos a esperança no futuro".