Desde 2017 que não havia tanta procura como na última segunda-feira. No S. João, foi atingido máximo em 13 anos.
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Os serviços de urgência estão a rebentar pelas costuras. Na última segunda-feira, os hospitais registaram 21 655 episódios, um número que já não se via desde 2017. À gripe tardia e aos casos de covid-19, juntam-se idosos com doença descompensada e muitos doentes não urgentes, que deveriam ser atendidos nos cuidados primários. Porém, ao contrário do que seria expectável, os centros de saúde tiveram no mesmo dia uma procura normal.
As segundas-feiras são tradicionalmente complicadas nas urgências hospitalares, mas no S. João, no Porto, não se via nada assim desde 2009. Foram 952 atendimentos num só dia, sem uma justificação clara (o normal seria 600). O número de doentes com sintomas respiratórios (inclui gripe) rondou os cem e está longe de ser a causa daquele pico que resultou em "muitas horas de espera".
"Não há mudança significativa no padrão de doença grave e os internamentos mantêm-se estáveis. O aumento é sobretudo à custa dos doentes não urgentes", afirma, ao JN, o diretor da Urgência do S. João, Nélson Pereira, notando que, na segunda-feira, 42% dos doentes foram "verdes e azuis". Aquele dia não foi caso isolado: tem havido vários com mais de 800 atendimentos.
Em Lisboa, as urgências do Santa Maria receberam cerca de 800 doentes/dia na segunda e na terça-feira, o valor mais alto do ano. Anteontem, foram perto de 700. Segundo fonte do hospital, os doentes são mais complexos (amarelos e laranjas) e muitos são encaminhados de outras regiões. O problema é crónico e Nélson Pereira diagnostica-o como "uma disfunção da rede", para a qual ninguém quer olhar. "Já houve ene grupos de trabalho e ficou tudo na gaveta", diz. E o doente é que sofre porque há "perda de qualidade no atendimento e risco de vida".
Com tal avalanche de doentes, seria expectável que também os centros de saúde tivessem registado um aumento da procura. Mas não aconteceu.
Normalidade a montante
Segundo dados do Portal do SNS, no dia 21, os cuidados primários realizaram 155 364 consultas, menos do que nas duas segundas-feiras anteriores e longe de máximos de outros anos.
Fonte oficial da ARS Norte confirmou, ao JN, que "não se verificou nenhuma procura anormal nos cuidados primários". Ainda assim, adiantou, "as orientações são para os agrupamentos dos centros de saúde reajustarem horários e recursos humanos em função da procura", sempre que necessário.
A ARS de Lisboa e Vale do Tejo garante que os centros de saúde têm adaptado a sua resposta à realidade epidemiológica da gripe e da covid-19. E acrescenta que além das consultas não programadas/doença aguda, há 38 unidades com Atendimento Complementar.
Relatório
Casos de gripe aumentam há cinco semanas
O número de casos de gripe detetados pela rede de laboratórios dos hospitais portugueses está a crescer há cinco semanas consecutivas. Entre 14 a 20 de março, foram diagnosticados 534 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 532 do tipo A. Há ainda registo de 48 coinfeções do vírus da gripe e do SARS-CoV2, indica o último boletim de vigilância epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Muito mais tarde do que o habitual, a atividade gripal mantém uma tendência crescente, tal como na região europeia, mas sem registo de complicações graves, nomeadamente necessidade de internamentos em cuidados intensivos ou enfermaria.
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Projetos falhados
Nos últimos anos, têm surgido projetos para reduzir a procura das urgências, mas sem expressão nacional. Com o envelhecimento da população, a tendência é para a situação piorar.
SNS + Proximidade
Um dos mais importantes arrancou no Norte, em 2017. Chamava-se "SNS + Proximidade" e prometia uma reforma de fundo. Consistia em capacitar os centros de saúde para os doentes ali realizarem exames e tratamentos sem terem de ir à urgência. Nos hospitais, os "não urgentes" eram reencaminhados para os cuidados primários com consulta no próprio dia. Não passou do projeto-piloto.