Encontro Nacional de Grupos Promotores da Mobilidade Urbana em Bicicleta, que decorre dentro de dias, em Aveiro, é oportunidade para perceber o que ainda falta fazer nas cidades para que mais pessoas comecem a pedalar.
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A tendência crescente pela utilização da bicicleta como meio de deslocação em zonas urbanas tem levado ao desenvolvimento de novos produtos e obrigado as cidades a redesenharem-se, construindo ciclovias e procurando "roubar" algum espaço aos carros nos centros. Mas ainda há muito caminho a percorrer na promoção do uso das duas rodas, tema que motiva, nos próximos dias 25 a 27, um encontro nacional de associações e entusiastas deste meio de mobilidade.
A bicicleta que a Universidade de Aveiro (UA) divulgou há dias é um dos vários exemplos de como há muita margem para continuar a inovar e dar resposta aos desafios da mobilidade suave. O veículo tem espaço na parte central do quadro para acomodar uma mochila que, para além de servir para guardar objetos, é capaz de armazenar energia produzida por tecidos fotovoltaicos. Essa energia permitirá alimentar a iluminação em LED, aumentando a segurança, sobretudo de noite.
"Pretende-se que este produto venha a integrar componentes robustos, sistema de propulsão elétrica, reduzindo custos de manutenção, e novas tecnologias, como sistemas de segurança, iluminação, GPS, bloqueio e alarmes, promovendo segurança e uma navegação mais suave", diz a UA, a propósito da ideia desenvolvida no âmbito da dissertação de mestrado de Carlos Pires, com orientação dos docentes João Oliveira e Paulo Uva.
O setor das duas rodas e da mobilidade suave está com um desenvolvimento brutal e irá continuar, por isso serão precisas novas soluções
Houve uma preocupação em criar algo "flexível e com conforto", que pudesse ser "compatível com diferentes tipos de utilização" e ajudasse a dar resposta aos "utilizadores em meios urbanos", conta João Oliveira, explicando que o projeto tem suscitado interesse no mercado e estão a ser estabelecidas parcerias para passar a ideia do plano teórico para o real, com a construção de um protótipo.
"O setor das duas rodas e da mobilidade suave está com um desenvolvimento brutal e irá continuar, por isso serão precisas novas soluções", assegura Gil Nadais, secretário-geral da ABIMOTA, associação que representa o setor. É com isso em vista que, em Águeda, está a nascer um Centro de Interface Tecnológico direcionado para o setor das duas rodas e mobilidade suave. Será gerido pela associação Bikinnov e pretende reunir empresas, universidades e centros tecnológicos, dedicando-se ao desenvolvimento e inovação de componentes, peças e materiais. Enquanto o centro não tiver instalações próprias, os parceiros poderão ir trabalhando nas instalações da ABIMOTA.
Mas não basta ter veículos inovadores para responder às exigências dos utilizadores, se as cidades não estiverem preparadas.
É preciso coragem para mudar mentalidades no redesenho das cidades
Nos últimos anos tem havido algumas mudanças nos centros urbanos, com a construção de ciclovias e medidas de acalmia de tráfego em zonas de coexistência de diferentes veículos, condescende José Manuel Caetano, presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB). Mas é preciso "mudar mentalidades" e "coragem" no redesenho das cidades, para "tirar os automóveis dos centros", diz.
José Manuel Caetano entende, também, que é preciso mais "fiscalização" aos excessos cometidos pelos condutores de automóveis nos centros urbanos, tanto no que diz respeito à velocidade a que circulam como aos locais onde estacionam. É importante, defende, para permitir a verdadeira coexistência "segura", pois de nada vale colocar sinais de limites de 30 km/hora de velocidade máxima e outras medidas de acalmia de tráfego, se depois não forem cumpridas.
Não há números recentes sobre quantas pessoas utilizam a bicicleta como meio de deslocação nas cidades, a nível nacional, mas Rosa Félix, especialista em mobilidade ciclável e investigadora na Universidade de Lisboa, diz que há a perceção que "tem havido um enorme crescimento. Em alguns locais aumentou mais de 10 vezes a utilização", nos últimos anos. É, pois, pertinente que se faça uma monitorização da situação atual e da eficácia das medidas que estão a ser implementadas. "Não se podem fazer projeções do futuro se não sabemos a quantas se anda neste momento", sublinha.
Investimentos muito tímidos
Para o aumento, mesmo que não quantificado, terão contribuído a construção de algumas ciclovias e redes de bicicletas partilhadas, o que prova que, se se tornar este meio de deslocação acessível, seguro e cómodo, se consegue "dar um grande salto na utilização" da bicicleta, diz a especialista.
Rosa Félix considera que os "investimentos [públicos nas cidades] têm sido muito tímidos" e denotam "medo da reação dos automobilistas quando se tira espaço de estacionamento ou de circulação numa avenida". Assim, lamenta, será difícil atingir as metas da Estratégia Nacional. A perspetiva é chegar aos "4% em 2025 e 10% em 2030, mas estamos em 2022 e essa percentagem deverá andar à volta de 1%".
É preciso aumentar as "condições de segurança", mas também "tornar a utilização prática", o que passará por criar estacionamentos, facilitar a intermodalidade, a aquisição e desenvolver programas nas escolas, enumera a especialista.
Do encontro que vai decorrer em Aveiro poderão sair algumas ideias para pôr mais pessoas a pedalar nas cidades. A 5.a edição do Encontro Nacional de Grupos Promotores da Mobilidade Urbana em Bicicleta pretende dar aos envolvidos a oportunidade de "cocriar projetos, ideias e iniciativas concretas, possíveis de impactar e de implementar a nível nacional" o uso da bicicleta, adianta Joana Ivonia, da Ciclaveiro, entidade que promove esta edição.
A intenção é que os projetos ajudem a "aumentar o nível de utilizadores de bicicletas, o que levanta questões na área da educação, infraestruturas, segurança rodoviária, políticas públicas, apoios à aquisição, novos negócios", entre outras, conclui.