Numa altura em que a Direção-Geral da Saúde (DGS) se prepara para recomendar o uso de máscara ao ar livre em situações em que não seja possível manter o distanciamento social, o JN foi ouvir dois especialistas sobre o tema.
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A Direção-Geral da Saúde (DGS) vai publicar, em breve, uma orientação que recomenda o uso de máscara no exterior em locais movimentados, sempre que não seja possível garantir o distanciamento físico.
Com uma pandemia crescente, a proximidade de uma época crítica e as dificuldades para evitar ajuntamentos, especialmente de jovens, é mais um passo para tentar minimizar o contágio. Mas a Ordem dos Médicos, que anda a recomendar o uso de máscara desde agosto, diz que é preciso ir mais longe e tornar a sua utilização obrigatória.
"Muito brevemente, e depois de termos consultado os peritos nacionais e internacionais, vai sair uma orientação no sentido para que quando as pessoas, no exterior, não conseguirem garantir para elas ou para os outros a distância física recomendada, deverão usar máscara", afirmou Graça Freitas.
"postura evolutiva"
Na conferência de Imprensa sobre a evolução da pandemia, a diretora-geral da Saúde vincou que não se trata de uma mudança de opinião, mas antes de uma "postura evolutiva em função do que vai sendo a avaliação do risco". "Ao ar livre, a utilização de máscaras fará sentido se formos para sítios onde não consigamos garantir que ficamos longe de outros. Diferente é uma situação ao ar livre no campo, no jardim, a horas em que não andam outras pessoas a passear", explicou. A nova "postura" já vem, aliás, refletida no plano da Saúde para o outono-inverno, ontem divulgado. O documento diz que o uso de máscara é recomendado "em qualquer espaço aberto ou fechado sempre que não esteja garantido o distanciamento físico mínimo de dois metros" e que as máscaras comunitárias certificadas devem ser incentivadas para evitar a escassez de máscaras cirúrgicas nas unidades de saúde, mas também em nome da "sustentabilidade ambiental".
Na prática, nos casos em que é possível assegurar o distanciamento físico de dois metros, a DGS continua a considerar que o uso de máscara não é necessário. Uma posição que Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, contesta. "As pessoas não andam na rua com uma fita métrica e o distanciamento é dinâmico", referiu (ler mais ao lado).
Após alguma resistência inicial, a DGS recomendou a 13 de abril o uso obrigatório de máscara comunitária em espaços interiores fechados, como supermercados, estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços e nos transportes públicos. Atualmente, é obrigatório nas escolas, a partir dos 10 anos.
Na conferência, o Ministério da Saúde recusou a possibilidade de um confinamento como o que está a ocorrer em Madrid. "O confinamento parcial ou geral é uma resposta de saúde pública que garantidamente não queremos voltar a acionar", sublinhou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Sales.
Instada a fazer um balanço do início do ano letivo, Graça Freitas classificou-o como positivo, sublinhando que as escolas onde foi ponderada a suspensão das atividades letivas se deveram a falta de funcionários e não ao risco de propagação da covid-19.
CARA E COROA
1. Concorda com a recomendação da DGS?
Filipe Froes - Pres. Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos: A DGS devia ser mais clara. A estratégia para o outono e inverno recomenda o uso de máscara no exterior sempre que não seja possível assegurar um distanciamento de dois metros. Mas as pessoas não andam com uma fita métrica e, quando estamos na rua, o distanciamento é dinâmico. Em agosto, o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos defendeu que se devia equacionar a máscara ao ar livre mediante a evolução do risco e a situação epidemiológica. Agora que estamos em situação de contingência, temos que otimizar todas as medidas que minimizem o risco. Devemos andar sempre a pôr e a tirar a máscara? Não. É necessário comunicar de forma clara, transparente e percetível, para evitar qualquer equívoco.
Paulo Santos - Prof. na Faculdade de Medicina do Porto: Num espaço fechado, sim, mas não em espaço aberto, em que as pessoas se cruzam de forma esporádica. Se a DGS quiser que as pessoas usem máscara, tem que se explicar melhor. O vírus transmite-se através de gotículas respiratórias, que podem ser inaladas por quem estiver em frente da pessoa infetada. Numa passagem esporádica, ao ar livre, a carga viral estará diluída, não chegará para infetar outra pessoa. Mas a máscara é necessária se as pessoas pararem para conversar, cara a cara.
2. Faz sentido obrigar ao uso de máscara ao ar livre?
FF: Faz todo o sentido. Não é quando a situação estiver pior que se tomam as medidas que a poderiam ter evitado! Há um aumento exponencial da transmissão e de internamento, em enfermaria e cuidados intensivos. Isto a que agora assistimos poderia ter sido minimizado se, antes, tivessem sido tomadas medidas. Estamos a consumir recursos exponencialmente e a entrada em desequilíbrio [da Saúde] pode ocorrer mais cedo do que o previsto.
PS: Se se sentir confortável a usar uma máscara, deve fazê-lo. Mas criar uma lei para obrigar ao uso, sem estar baseada numa recomendação técnica, é o primeiro passo para que não seja cumprida. Deve haver uma orientação, não uma obrigação, mas com uma explicação clara, que as pessoas compreendam. Se se cria uma lei, será depois necessário criar exceções e já estou a imaginar as pessoas a pedir aos médicos declarações que lhes permitam andar sem máscara. Devemos partir do princípio de que podemos estar infetados e usar máscara sempre no contacto com outras pessoas.
3. Portugal está a entrar numa segunda vaga de covid-19?
FF: Temos que assumir que estamos a assistir a uma segunda onda.
PS: Na última semana, aumentaram as mortes e internamentos, mas preferia esperar mais uns dias. Deveríamos estar a testar só quem tem sintomas.