Têm-se multiplicado as notícias de casos de pessoas que não estão prioritárias que estão a ser vacinadas contra a covid-19.
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Ao mesmo tempo, há muitos profissionais de saúde que ainda não foram vacinados, nomeadamente os da hospitalização privada, incluindo aqueles envolvidos no combate à covid-19. A Ordem dos Enfermeiros, à qual têm chegado diversas queixas, enviou um ofício, esta quinta-feira, à Procuradoria-Geral da República, a questionar "se o Ministério Público tem conhecimento destes casos e se existe algum inquérito em curso".
Revemos alguns dos casos denunciados.
Segurança Social de Setúbal
O centro distrital da Segurança Social de Setúbal (CDSSS) vacinou 126 funcionários contra a covid-19, na passada sexta-feira, incluindo dirigentes, integrados numa lista na qual só deveriam constar utentes e trabalhadores de lares e de cuidados continuados do Agrupamento de Centros de Saúde da Arrábida.
Entre os 126 vacinados, estará a diretora do centro, Natividade Coelho, incluída na lista definida pelo organismo que dirige e que passou pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. A vacinação decorreu nas instalações do INATEL de Setúbal.
Ao JN, o Instituto da Segurança Social explica que foi aberto "um processo de averiguações urgente, com vista ao apuramento dos factos que determinaram a situação em causa e eventuais responsabilidades, aguardando-se as respetivas conclusões"
A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) confirmou, esta sexta-feira, à agência "Lusa", a vacinação de 126 pessoas do CDSSS, mas não assumiu a responsabilidade pela inclusão de dirigentes e funcionários daquela instituição pública que foram vacinados antes de muitos profissionais de saúde, bombeiros e utentes de lares.
"Compete às entidades/instituições que acolhem idosos fazer o levantamento, identificação e listagem das pessoas a vacinar e aos Agrupamentos de Centros de Saúde proceder à vacinação das pessoas identificadas por cada instituição", referiu a ARSVLT, em resposta à Lusa.
INEM
Desde quarta-feira, que é o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) a estar debaixo de fogo, por também ter vacinado pessoas não prioritárias. A situação foi denunciada pela Associação Nacional de Emergência e Proteção Civil (APROSOC), que acusou o presidente do INEM de ter requisitado "dezenas de vacinas a mais para imunizar funcionários do instituto, prestadores de serviços e colaboradores externos, parte dos quais seus amigos pessoais, violando as indicações do plano de vacinação" contra a covid-19.
Para a APROSOC, "dezenas de vacinas foram usadas indevidamente privando médicos, enfermeiros e técnicos de saúde, entre outros elementos prioritários, de vacinação atempada, privilegiando um circuito de amizades".
O INEM já veio a publico rejeitar as acusações de "favorecimento pessoal" e explicar, contudo, que estas vacinas foram doses sobrantes dos frascos usados para inocular os seus profissionais prioritários e foram administradas aos "profissionais do INEM que dão suporte à atividade de Emergência Médica, para evitar o desperdício destas".
Em comunicado, esclarece que "o INEM solicitou apenas vacinas para os profissionais prioritários, tendo recebido as 1.174 doses (...) solicitadas, que foram administradas a todos os profissionais prioritários que manifestaram interesse em ser vacinados". Contudo, nem todos puderam ser vacinados por estarem infetados ou manifestarem sintomas de infeção do novo coroavírus, no momento, ou por terem estado positivos há menos de 90 dias.
Acrescido o facto de ser possível extrair seis doses por frasco, mais uma do que o inicialmente estipulado, ainda foi possível administrar mais 92 vacinas e conceder os 12 frascos que não foram abertos aos Agrupamentos de Centros de Saúde da região centro e sul, em articulação com as respetivas administrações regionais de saúde ARSLVT e Centro, esclarece o INEM.
Lares
No centro da polémica têm surgido também diversos lares, acusados de vacinar elementos dos órgãos sociais, quando a prioridade nesta fase são os utentes e profissionais em contacto com estes. Ainda esta sexta-feira, o "Observador" denunciou que o Centro de Apoio a Idosos de Portimão deu a possibilidade a todos os órgãos sociais, incluindo o Conselho Fiscal, de serem inoculados.
Uma das pessoas vacinadas terá sido o diretor da instituição, mas também houve quem rejeitasse a ideia. Segundo a direção do centro, em comunicado enviado ao JN, o lar cumpriu o plano de vacinação contra a covid-19 e as orientações da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, ao abrigo dos quais "foram vacinados todos os idosos, profissionais e parte dos corpos gerentes essenciais ao funcionamento presencial na instituição (também eles de risco), que têm contacto direto e ativo com os idosos e com as instalações que os mesmos frequentam e utilizam".
Já antes tinham vindo a público, pelo menos, dois casos em que dirigentes de instituições foram vacinados: o autarca de Reguengos de Monsaraz, José Calixto, que integra a direção do lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS) e o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arcos de Valdevez, Francisco Araújo, também presidente da Assembleia Municipal do concelho.
Num comunicado enviado à agência Lusa, a FMIVPS explicou ter indicado para serem vacinados "todos os utentes, funcionários, administrativos, técnicos e dirigentes que têm contacto regular directo com os utentes", em "obediência às indicações recebidas pelas autoridades de saúde e da segurança social". No caso da instituição de Arcos de Valdevez, o provedor explicou ter sido contactado pela enfermeira responsável pelo processo de vacinação, que decorria nas instalações da instituição, para saber se queria ser inoculado por haver sobras.
Inspeção avança com fiscalização
Francisco Ramos, coordenador do plano de vacinação contra a covid-19, já tinha defendido, no caso do autarca de Reguengos de Monsaraz, que este era um uso indevido da vacina e esclarecido que a regra é de não desperdiçar doses. Contudo, considerou que o adequado é procurar outras pessoas dentro do primeiro grupo prioritário.
Esta quinta-feira, Francisco Ramos anunciou que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde vai controlar a partir de agora o processo de vacinação contra a covid-19 através de auditorias, para perceber se os critérios estabelecidos para os grupos prioritários estão a ser cumpridos.
A medida surge numa altura em o Governo decidiu alargar a vacinação na primeira fase a todos os idosos a partir dos 80 anos (independentemente de qualquer comorbilidade ou patologia), a titulares de órgãos de soberania, a altos cargos com funções no quadro do Estado de Emergência, a responsáveis da Proteção Civil, à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério Público.