Alexandre Pereira, 84 anos, ouve desde menino dizer que "o mar há--de vir buscar o que é dele". Tanto acredita em semelhante sentença que testemunha o avanço das águas sobre a costa, tragando-a. "Se não fizessem este paredão, a Vagueira já estava arrasada", diz, sentado numa cadeira no alto da defesa aderente que resguarda o povoado, observando a maré a encher expulsando o derradeiro punhado de banhistas do escasso areal.
Corpo do artigo
Vai quase em três décadas que a segurança Vagueira, concelho de Ovar, exige obras frequentes, devido à intensidade da erosão que atinge este troço da costa, com taxas de recuo médio que chegam a ser de dez metros por ano e para onde estudos dos anos 90 temiam novos avanços do mar da ordem das centenas de metros.
Nas duas últimas décadas do século passado foram feitas obras de defesa, mas continua a exigir a atenção devido ao risco elevado que representa. Só no ano passado foram investidos mais quase dois milhões de euros (ver ficha de diagnóstico na infografia). Em breve, novos gastos vão ser necessários: nalguns pontos, o paredão apresenta sinais de ataque do mar, com algumas pedras do enrocamento a soltar-se.
No topo norte da Vagueira, é visível a voragem do mar sobre o que resta do areal e da duna. "Os cabeços estão a ser comidos pelo mar que continua a avançar", atesta António Freire, 71 anos, atarefado em mais uma safra da pescador da arte xávega que ali ainda se faz quando a maré autoriza a manobra numa magra tira de areal. "Antigamente, tinha quase um quilómetro para lá!", afiança, e "isto aqui estava cheio de abegoarias - lojas de gado bovino usado noutros tempos para rebocar os barcos e as redes - e este sítio era uma duna enorme".
"Diziam os nossos antepassados que o mar tem que vir buscar o que é dele… foi ele que fez os morros de areia - noutros tempos", diz, falando das escalas que ultrapassam a escala da sua memória ou a da soma de várias gerações, que são das centenas, milhares ou dezenas de milhar de anos, durante os quais o mar foi recuando lentamente. O problema é que avança agora a um ritmo muito rápido, acelerado pela mão humana. "Andam para aí a tirar areias de rios e praias, a meter molhes e esporões", opina um velho, dividindo o seu exame entre a malta à volta das redes na magra praia e os banhistas expulsos pela subida da maré.
Agora, o mar bate com mais força e gotículas chegam a salpicar os passeantes no paredão. Uma microscópica amostra das bátegas das águas que, no Inverno, quase chegam a galgar a esforçada muralha que separa o oceano da rua marginal e das construções, situadas praticamente à mesma cota da maré alta, especialmente à medida que se caminha para sul na frente marítima do aglomerado.
Do outro lado da rua, o reclamo de uma loja de pronto-a-vestir chama a atenção pela singularidade da denominação - "Belavista". Que vista tão bela será essa? A única visão que oferece, porém, é o muro de suporte do arruamento, a meia altura do coroamento do verdadeiro dique que cintura a Vagueira, como se estivéssemos nos Países Baixos.