
As interações que muitos tripulantes consideram ser ataques aos lemes das embarcações ainda não têm uma explicação oficial
Tripulações navegam mais perto da costa, onde os encontros são menos prováveis. Interações diminuíram de 60, em 2023, para 17, este ano
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As interações, que muitos tripulantes consideram ataques, de grupos de orcas com veleiros ao longo da costa diminuíram este ano devido a uma maior precaução dos velejadores, que evitam cruzar-se com os animais em águas profundas, navegando mais perto da costa onde é menos provável que as encontrem.
Desde que começaram a existir as interações, em 2020, que agosto é o mês com maior número de casos ao largo de Portugal, dado que as orcas seguem a migração do atum, desde Gibraltar até à Galiza. Os animais continuam a passar ao largo da costa, mas os velejadores já sabem o que fazer para os evitar.
Petardos
Miguel Lacerda, experiente velejador da associação ambiental Cascaisea, costuma ir buscar veleiros a Ibiza a pedido dos capitães dos barcos (skippers) que temem encontros com orcas. “Não há ataques em Portugal porque cada um trata de si, desde evitar navegar à noite para poder antecipar interações, ou navegar a menos de 20 metros de profundidade, junto à costa, onde a possibilidade de as encontrar é diminuta, visto que estão atrás do atum a uma maior profundidade”, esclarece o velejador, que diz ser comum o uso de petardos para afastar os animais. “É ilegal em Portugal, mas 90% das embarcações têm petardos para assustar as orcas”.
As interações que muitos tripulantes consideram ser ataques aos lemes das embarcações ainda não têm uma explicação oficial, mas foram mais frequentes e perigosas entre 2020 e 2023. Passaram de 17 em 2020, oito das quais com danos nas embarcações, para 62 em 2022, 26 delas com danos. Houve dois naufrágios, um em Sines e outro na Figueira da Foz.
No ano passado, foram cerca de 60 as interações e este ano registaram-se 17, avançou ao JN o Grupo de Trabalho Orca Ibérica, composto por biólogos que estudam o comportamento dos animais.
“Desde 2020 até ao final de julho de 2024, registámos 1210 encontros desde a costa norte de África até à Bretanha francesa. Destes, pouco mais de 400 são avistamentos, em que as orcas são observadas longe dos barcos, e 804 são interações”, refere o grupo.
Dezassete das 37 atacam
Há 37 orcas - que podem chegar às quatro toneladas - a navegar pela costa portuguesa em seis grupos. Destas, no início das interações, havia três que atacavam. Hoje são 17 as que interagem com as embarcações, diz o Orca Ibérica.
Miguel Lacerda critica as autoridades por não terem agido preventivamente logo no início. “A primeira orca a atacar tinha marcas de agressão e ensinou outras duas a atacar os lemes como retaliação. Se nessa altura houvesse uma atitude de desincentivar os animais a atacar, como o lançamento de petardos nas imediações que as assustassem, por exemplo, estas não ensinavam às restantes e hoje não tínhamos 17 a investir sobre os lemes”, diz ao JN.
Em 2022, Luís Oliveira, velejador de Sintra, viu o seu veleiro ser atacado ao largo do Cabo Espichel, em Sesimbra. Sofreu danos no leme. Hoje, diz estar atento aos alertas e evita águas profundas. “Exceto quando tenho de ir aos Açores ou à Madeira. Já ouvi um alerta pelo rádio de um ataque a dez milhas de onde eu estava, mas talvez por sorte não as encontrei mais”, relata ao “Jornal de Notícias”.
O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas renovou, até ao final do ano, a proibição de aproximação ativa a grupos de orcas por parte das embarcações marítimo-turísticas.
“No que toca às boas práticas, sempre que as orcas se aproximem das embarcações, a embarcação deverá ser imediatamente parada (se as condições do mar e de segurança o permitirem), deixando o motor em funcionamento e monitorizando o comportamento dos animais. Só quando as orcas se afastarem poderá ser retomada a navegação”, refere o edital.
Ao mesmo tempo, é recomendado o engate da marcha à ré e navegar assim durante o tempo considerado necessário, sem mudanças bruscas de direção”.
Marinha cria app para alertas à navegação
A Marinha, através do Centro de Operações Marítimas (COMAR), criou um sistema de alertas imediatos à navegação perante os relatos de avistamentos de orcas na costa portuguesa. O objetivo é o de travar o gradual aumento de interações perigosas e sem aviso destes animais com veleiros. “O sistema está em vigor e pode ser acedido através da página da Marinha na Internet ou através de uma aplicação no sítio do Instituto Hidrográfico dedicado à informação geoespacial relativa a eventos com orcas, para apoiar os navegantes e contribuir para a segurança da navegação. “O COMAR monitoriza redes sociais, outros sítios online, os canais VHF do Global Maritime Distress Safety System (GMDSS) e os números de emergência do Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo. Quando alertado, o COMAR emite um aviso à navegação reforçado com chamadas gerais à navegação através de rádio VHF”, avança a Autoridade Marítima.

