Comercialização de duas novas substâncias revolucionou o tratamento. Só no ano passado foram gastos 21 milhões em produtos para a perda de peso.
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A prescrição de medicamentos para tratar a obesidade aumentou 30% em cinco anos. Motivo: a entrada no mercado de novos fármacos, considerados altamente eficazes. E o crescimento só não é maior por causa do preço. A nova vaga de remédios - que chegam a custar 250 euros por mês - não é comparticipada. No Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade, especialistas e doentes reivindicam a comparticipação destes produtos. No total, os portugueses gastaram 21 milhões de euros em 2018 para emagrecer.
O mercado dos medicamentos (com e sem receita) e suplementos para emagrecer está a movimentar milhões em Portugal. Só no último ano, os portugueses gastaram 21 milhões para perder peso.
No ano passado, foram vendidas 35025 embalagens de medicamentos sujeitos a receita para tratar a obesidade, o que representa um crescendo de 30% face a 2014, segundo dados da consultora IQVIA fornecidos ao JN. Em valor total, os portugueses gastaram em 2018 mais de 2,7 milhões.
Já os fármacos sem receita até diminuíram. Somando os medicamentos com e sem receita, o comércio somou 2,9 milhões de euros. No campeonato dos produtos para emagrecer (suplementos), os portugueses gastaram 18,87 milhões em 2018, segundo a mesma consultora. Ou seja, uma fatura final de 21 milhões de euros.
O aumento da prescrição não surpreende Davide Carvalho, da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade. Há mais gente a procurar ajuda médica e, por outro lado, a nova geração de fármacos está a oferecer bons resultados. A opção que chegou ao mercado em maio de 2017, por exemplo, cuja substância ativa é o liraglutido, uma proteína injetável, tem ainda a vantagem de aliviar danos cardiovasculares, diz.
Este medicamento não só diminui o apetite, como inibe o esvaziamento gástrico e contribui para a sensação de saciedade. E tem dado provas de que "pode travar a evolução da doença que justifique depois a cirurgia".
Custa 250 euros por mês
"São medicamentos que vieram modificar completamente a história da terapêutica", conclui Davide Carvalho. O principal problema? "O preço. Não são comparticipados e podem custar 250 euros por mês". Há outro novo a 100 euros.
Entre as histórias à volta do preço, Davide Carvalho lembra o doente que lhe disse que "quase morreu", quando o farmacêutico lhe pediu 1500 euros por seis caixas. "Não tinha compreendido bem". "Infelizmente", são muitos os que lhe dizem, quando confrontados com o preço: "Nem vale a pena pensar nisso".
Davide Carvalho defende o modelo da comparticipação: "Se há ajuda do Estado para quem quer deixar de fumar, não se justifica que não se faça o mesmo com a obesidade". O apoio poderia trazer, no futuro, poupança ao Estado, evitando cirurgias e tratamento de doenças associadas. Sublinha ainda que o custo pode não ser assim tão elevado quando comparado com outros produtos anunciados no mercado como milagrosos.
"Estamos a ser ineficazes na prevenção", conclui. "Não se tem apostado num estilo de vida saudável e ativo. As crianças continuam a ir de carro para escola", refere, a título de exemplo, o especialista.
INOVAÇÃO
Investigação está a dar passos fortes
Para Carlos Oliveira, da Associação de Doentes Obesos e ex-Obesos (Adexo), a vitória a destacar no combate à obesidade está na investigação, "que está a dar passos fortes". "Há dois medicamentos para tratar quem não tem indicação para cirurgia que estão a fazer diferença". Estudos novos comprovam ainda que estamos diante de doença biológica relacionada com a leptina, que comunica o sinal de apetite ao cérebro. São importantes, diz, porque contribuem para desfazer o estigma, que cresceu associado à ideia que a obesidade é um problema de comportamento.
SABER MAIS
11,7% de crianças obesas Segundo a Organização Mundial da Saúde, Portugal registou, entre 2015 e 2017, uma queda de prevalência de excesso de peso e obesidade infantil. Houve uma redução de 37,9% para 30,7% e de 15,3% para 11,7%, em todas as regiões.
10-15% acima do peso ideal é considerado excesso de peso, que corresponde a um IMC (índice de massa corporal) entre 25-30 Kg/m2. A obesidade equivale a um IMC igual ou superior a 30 Kg/m2.
OUTROS DADOS
Évora lidera na espera
Na lista dos tempos de espera para cirurgia da Administração Central dos Sistemas da Saúde, o Hospital Espírito Santo (Évora) é o campeão do atraso para operações de obesidade: 843 dias (dois anos e três meses). De acordo com Carlos Oliveira, da Adexo, nos últimos meses "este valor terá sido reduzido", em resultado de um compromisso firmado com a entidade para acelerar resposta. São João e Santo António, ambos do Porto, apresentam 321 e 402 dias, respetivamente, até cirurgia. Coimbra 307 dias e Braga 411.
Por cumprir a 70%
O tratamento cirúrgico da obesidade é o que apresenta uma maior percentagem de doentes operados fora dos tempos máximos de espera: 52%. Nas consultas, é também a obesidade que ocupa o lugar cimeiro, com taxa de incumprimento na ordem dos 70%, segundo um relatório agora divulgado pela Entidade Reguladora da Saúde.
Obesidade duplicou
A indicação para cirurgia ocorre quando o doente tem índice de massa corporal superior 40 ou a 35, caso haja doenças como diabetes associadas. Os medicamentos são ministrados na fase pré-obesidade e acompanhados por medidas comportamentais. São operadas cerca de 2000 pessoas/ ano em Portugal, revela Davide Carvalho. Um estudo de Isabel do Carmo revela que a obesidade duplicou, para 28% da população, entre 2006/2017.
Já perdeu 17 kg com novo medicamento
Texto: Catarina Silva
A balança apontava mais de 80 quilogramas (kg) depois de um ano a fazer um tratamento à depressão. Antes disso, Silvana Paiva, 40 anos, da Feira, pesava 58 kg. "Foi muito difícil e tentei todos os tratamentos possíveis", conta. Dietas, exercício físico, tratamentos, nada resultou. Em novembro, descobriu uma nova medicação. Desde então, perdeu 17 kg e conta chegar aos 56 kg no verão.
"Em Portugal, não é comum. Quando fui, pela primeira vez, à farmácia, desconheciam-no. E demorou alguns dias até chegar a primeira entrega", recorda. Silvana é professora e o excesso de peso trouxe-lhe outras complicações de saúde: "Deixei de ter menstruação, tenho uma cicatriz na zona do umbigo que estava sempre infeccionada por acumulação de gordura no abdómen, dormia mal".
Com pouco mais de 80 kg, não cumpria critérios para cirurgia e, por isso, tentou dieta, desporto, recorreu a uma clínica de emagrecimento. "Foi um investimento enorme e, no final, não perdi peso nenhum."
Até que descobriu um endocrinologista que aposta num medicamento: "Receitou-me várias embalagens de Saxenda. Só comprei uma, porque estava desacreditada". Cada embalagem contém cinco canetas com medicação que é injetável na barriga uma vez por dia. "Faço uma dieta equilibrada, nada muito restritivo, como comer de três em três horas. E caminho nove mil passos por dia, seguidos ou não", relata.
Ao fim da primeira embalagem, já tinha resultados. "Comecei em novembro e já perdi 17 kg sem ter mudado grandes hábitos." A caneta, explica, "não tem mestria nenhuma e pode ser em qualquer sítio da barriga". O único entrave é o preço: chega aos 250 euros por mês, sem comparticipação. "Além da perda de peso, permite regular valores hormonais, cálcio, vitaminas, uma colega conseguiu largar a medicação para a diabetes e para o colesterol". A comparticipação, diz, "evitaria a longo prazo que o Serviço Nacional de Saúde tivesse outras despesas", já que "o excesso de peso acarreta muitos problemas", mas o emagrecimento continua a ser visto como uma questão estética.
Silvana conseguiu até reduzir na medicação psiquiátrica. Já voltou a ser menstruada, melhorou o sono, a osteoporose e a circulação. Quer chegar aos 56 kg em três meses. Depois, tem de continuar com o tratamento durante um ano para manter o peso. "O investimento é muito, mas se pensar na medicação que deixei e no que aconteceria se continuasse a aumentar o peso, compensa. Passei a viver em vez de sobreviver . Mais pessoas deviam ter acesso a este tratamento".