Reserva de 383 toneladas valorizou 25 milhões de euros por dia, só este ano. Tesouro de Portugal é o 13.º maior do Mundo, mas deve ser mantido para situações de crise, defende o diretor da Faculdade de Economia do Porto, Óscar Afonso.
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O valor do ouro nunca foi tão alto. Uma boa notícia para os guardiões do nosso “tesouro”, uma vez que Portugal, apesar do seu reduzido peso populacional ou económico, tem a 13.ª maior reserva a nível mundial: 383 toneladas que, tendo em conta o recorde histórico batido pelo metal amarelo esta semana, valem mais de 28 mil milhões de euros (ou 2716 euros por habitante). Uma fortuna que está armazenada no Carregado e em Londres, sem utilidade aparente, desde que o euro substituiu o escudo e o país deixou de ter política monetária própria. Mas que continua a ser uma “almofada de segurança para situações de crise”, argumenta o economista Óscar Afonso, que rejeita a hipótese de venda.
A forte procura por parte de alguns bancos centrais (em particular o da China), o início da baixa das taxas de juro e as preocupações com a instabilidade económica e geopolítica, que desviaram os investidores para um porto seguro, são as explicações apontadas para a meteórica valorização do ouro. Com efeitos milionários para estados, como o português, que o compraram “barato” e ainda mantêm as arcas substancialmente cheias, para prevenir uma qualquer catástrofe, por improvável que possa parecer nesta altura (o fim do euro e o regresso do escudo, ou uma nova crise de dívida pública, por exemplo).
À espera da próxima crise
Só nos primeiros oito meses deste ano, o ouro português valorizou cerca de 24%, ou cinco mil milhões de euros, ou, dito ainda de outra forma, à razão de 25 milhões de euros por dia. Mas a subida tem origens mais longínquas: comparando com o valor dessas mesmas 383 toneladas há cinco anos, a valorização é de quase 13 mil milhões de euros (80%), o equivalente ao que os contribuintes portugueses pagaram para salvar os bancos entre 2007 e 2017. Sendo que é precisamente o cenário de uma emergência, como a da crise financeira de 2007, que se transformou numa crise da dívida soberana, em 2011, o melhor argumento para manter um tão grande tesouro num país tão pequeno.
Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto, explica que o Banco de Portugal (BdP) é independente e pode vender ouro da reserva nacional (sem interferência do Governo), como já aconteceu no passado, e que milhões de euros daí resultantes poderiam ser canalizados para o Estado, através da distribuição de dividendos. No entanto, lembra o economista, os seus responsáveis já garantiram que não o pretendem fazer (questionado pelo JN, o BdP recusou esclarecer a sua posição). E defende que “não faz sentido a venda de ouro no contexto atual, em que Portugal tem uma situação orçamental estável”.
Uma herança da ditadura
A “almofada de segurança”, como lhe chama, deve ser usada como último recurso. Em “casos extremos, como numa hipotética situação de saída do euro, em que as reservas seriam necessárias para estabilizar o valor da moeda [e regressar ao escudo], ou numa situação como a do resgate da troika [2011], que não corresse bem e obrigasse à venda de ouro para conseguir estabilidade orçamental e financeira”, acrescenta. Resumindo, o ouro é o equivalente a um seguro de vida.
Há 50 anos, quando a ditadura deu lugar a uma democracia, Portugal tinha nos cofres 866 toneladas de ouro. O novo regime socorreu-se de parte dessa riqueza acumulada nos anos seguintes, também porque, desde os anos 70, o ouro deixou de ter uma importância decisiva na definição do valor das moedas nacionais. Várias décadas mais tarde, já depois da adesão ao euro e do fim de uma política monetária independente, houve uma última vaga de vendas: 225 toneladas entre 2002 e 2006. Era governador do BdP Vítor Constâncio, e pela chefia do Governo foram passando Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Desde então, nunca mais ninguém ousou tocar nas reservas.
Três vezes mais que a Suécia
Mas, mesmo depois de ter vendido o equivalente a quase 500 toneladas de anéis, o Estado não ficou apenas com os dedos. Para além de ser o 13.º no ranking mundial de países no que diz respeito às toneladas de ouro armazenadas, Portugal faz figura de rico, quando se compara com outros países da União Europeia. Tem três vezes mais ouro do que a Suécia e a Grécia, que têm a mesma população (pouco mais de dez milhões de pessoas). E tem oito vezes mais ouro do que a Finlândia, país da UE com um Produto Interno Bruto (PIB) quase igual ao português (ambos a rondar os 270 mil milhões de euros).
Óscar Afonso reconhece que “a magnitude das reservas de ouro do BdP é relevante”, mas aponta para outras soluções. “Para conseguirmos finanças públicas sustentáveis, em vez de estarmos ciclicamente a falar da venda de ouro, qual D. Sebastião que aparece numa manhã de nevoeiro, devemos apontar baterias a consensos com o PS para aprovar o Orçamento do Estado para 2025”, diz o economista, que foi eleito deputado pelo PSD nas últimas legislativas, mas renunciou ao mandato. Defende que essa é a melhor forma de garantir a “continuidade de medidas estruturantes na área económica, como a descida do IRC e o IRS Jovem, objetivos mínimos de reforma do Estado e tornar a despesa pública mais eficiente e sustentável”.
Números em destaque
12 303. Apesar da referência em toneladas, é em onças que se mede e comercializa o ouro. Portugal tem uma reserva de 12 303 onças (um pouco mais de 31 gramas cada). O preço da onça chegou aos 2311 euros esta semana. Multiplicando, chega-se aos 28 432 milhões de euros.
2716. Se dividíssemos o valor da hipotética venda da reserva de ouro pelos 10 467 366 habitantes de Portugal, daria 2716 euros por cabeça. No caso de Espanha, que tem apenas 282 toneladas, mas 48 milhões de habitantes, seriam apenas 435 euros por cabeça.